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Colaboração premiada sob ameaça

 

Colaboração premiada sob ameaça

O Brasil é um país interessante e extremamente complexo. Compreendê-lo é uma tarefa que demanda grande esforço, pois é difícil enquadrá-lo em uma teoria que pretenda ter aplicação universal, diante das peculiaridades da sua formação e do seu desenvolvimento histórico. País primordialmente agrário até meados do Século XX, observou uma migração intensa da população rural para as cidades em busca de melhores condições de vida, fugindo do flagelo da seca que assolava e continua a castigar, em especial, o sertão nordestino. Muitos desses migrantes viram seus sonhos de uma vida melhor na “cidade grande” frustrados pela realidade implacável, sendo submetidos a condições extremamente precárias de sobrevivência. A estrutura política ao longo do Século XX e início do Século XXI parece ter mudado muito pouco, para não dizer que nada mudou. Os políticos profissionais parecem não representar, em sua maioria, os seus eleitores. Interesses cartoriais parecem ditar o rumo de elaboração das leis e dos programas de governo.

Não obstante as forças políticas que transitam no Congresso Nacional, o projeto de lei que deu origem à Lei nº 12.850/2013 foi aprovado, seguiu para sanção presidencial e entrou em vigência no ordenamento jurídico pátrio. Lendo as notícias sobre a operação lava-jato e as diversas colaborações premiadas (conhecidas na mídia como delações premiadas) que foram realizadas em processos penais que tramitam na seção judiciária do Paraná, uma pergunta vem à mente: como essa lei foi aprovada no parlamento federal, diante do envolvimento, pelo menos em tese, de várias figuras públicas (parlamentares e membros do executivo federal)? Graças a essa lei, um esquema de corrupção gigantesco foi sendo descoberto e demonstrado para a sociedade brasileira, verdadeira titular do dinheiro público (melhor dizendo, tornado público através do pagamento dos tributos), sendo, assim, desvelada parte da estrutura montada e mantida pelos donos do poder (expressão retirada do livro de Raymundo Faoro) em detrimento do povo brasileiro.

Duas hipóteses podem ser levantadas para averiguação mais detalhada sobre o motivo pelo qual a Lei nº 12.850/2013 foi aprovada, não obstante muitos dos parlamentares ficarem sujeitos à persecução penal: a) ou eles não sabiam o que estavam votando, o que demonstraria falta de zelo pelas matérias sérias que são debatidas no âmbito do parlamento brasileiro; b) ou imaginavam que não haveria, dentro das instituições democráticas, órgãos independentes e ciosos do cumprimento do dever constitucional de reprimir os ilícitos penais, a exemplo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que dariam a efetiva interpretação e aplicação da lei, já que no imaginário dos donos do poder eles seriam inalcançáveis, intocáveis, diante do histórico brasileiro de impunidade, ou de ausência de punição, daqueles que estão em patamares elevados na pirâmide do poder político e econômico. Independente de qual hipótese esteja em conformidade com a realidade dos fatos narrados, elas são graves e demonstram o descompasso existente entre os interesses de parcela considerável da classe política e os interesses da sociedade. Como dito acima, são hipóteses levantadas e que carecem ainda de uma investigação científica mais aprofundada, mas que são lançadas neste pequeno texto como provocação para meditação da população brasileira, já que somos nós, o povo, quem arcamos com o custo devastador da corrupção que está vindo à tona pelo trabalho das instituições brasileiras democráticas.

A colaboração premiada obteve um êxito tão grande, com repercussões efetivas contra o interesse de alguns integrantes do Parlamento federal, que a imprensa brasileira começa a ventilar a existência de movimentações internas no parlamento no sentido de alterar a mencionada lei para impedir que a delação premiada possa ser usada como um tipo de prova no processo penal (http://www.valor.com.br/…/renan-defende-aprimorar-lei-de-de…). A colaboração premiada por si só não é suficiente para a condenação do réu, mas é um caminho novo, no ordenamento jurídico brasileiro, para se encontrar as demais provas que, em conjunto, possam levar os culpados pelos enormes desvios de recursos públicos a uma futura condenação. E, para a democracia brasileira, é extremamente salutar que se investigue as denúncias de corrupção e que os culpados sejam exemplarmente punidos. Interessante para todos da sociedade que acompanhem o desenrolar dos futuros atos do Parlamento Federal para que essa conquista da sociedade, a Lei nº 12.850/2013, seja preservada, o que possibilitará, pelo menos em tese, o descobrimento e a divulgação dos caminhos da corrupção e dos seus envolvidos diretos e indiretos, permitindo uma apuração mais ampla dos fatos criminosos e a punição de quem eventualmente os praticou. Fiquemos alerta.

Publicado no Jornal Contraponto

Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Aprovado no concurso de professor substituto do DCJ Santa Rita da UFPB (2018). Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas : direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Professor substituto das disciplinas Direito Administrativo I e II e Direito Agrário até outubro de 2018. Recebeu prêmio de Iniciação à Docência 2018 pela orientação no trabalho de seus monitores, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação/UFPB. Doutorando em direito na UFPB.

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