Publicado artigo intitulado “Da liberdade de transação como pressuposto para o desenvolvimento” nos Anais do III Seminário Internacional Sobre a Teoria da Justiça de Amartya Sen.
Analisou-se no artigo a liberdade de transação como premissa para o desenvolvimento, sob a ótica da teoria do desenvolvimento de Amartya Sen. Os autores analisaram a liberdade como pressuposto para o desenvolvimento das nações e dos indivíduos.
Texto de autoria dos seguintes pesquisadores: Luiz Guedes da Luz Neto, Alinson Ribeiro Rodrigues e Enoque Feitosa Sobreira Filho.
Para facilitar a leitura, o artigo será transcrito a seguir. Ao final há um link para acesso ao volume oficial do evento.
DA LIBERDADE DE TRANSAÇÃO COMO PRESSUPOSTO PARA O DESENVOLVIMENTO NO PENSAMENTO DE AMARTYA SEN
Luiz Guedes da Luz Neto[1]
Alinson Ribeiro Rodrigues[2]
Enoque Feitosa Sobreira Filho[3]
RESUMO
Problema de pesquisa: a liberdade de transação é necessária para o desenvolvimento socioeconômico sustentável brasileiro? O objetivo geral reside em analisar se existe efetiva e materialmente respeito à liberdade de transação no Brasil no final da segunda década do Século XXI. Os objetivos específicos constituem os seguintes: analisar o conceito de liberdade de transação na obra Desenvolvimento como Liberdade de Amartya Sen; compreender o significado de desenvolvimento como liberdade na mencionada obra do pesquisador indiano; perquirir se existe atualmente no Brasil um movimento de atribuição de liberdade de transação no ordenamento jurídico aos indivíduos e empresas.
A metodologia utilizada no presente artigo será a dissertativa-descritiva.
Conclui-se que a efetivação da liberdade de transação, como uma espécie do gênero liberdade, é fundamental para o desenvolvimento socioeconômico sustentável da nação brasileira, tendo como marco teórico a teoria da liberdade de transação elaborada pelo economista indiano Amartya Sen.
PALAVRAS-CHAVE: Amartya Sen; Liberdade de transação; desenvolvimento.
ABSTRACT
KEYWORDS:
Final da segunda década do Século XXI, em pleno desenvolvimento da indústria 4.0 no mundo, no Brasil volta a se discutir o modelo econômico que o estado brasileiro deve adotar, isto é, a intensidade da sua intervenção direta na economia e o grau de liberdade que deve atribuir à atuação dos agentes econômicos privados. Historicamente, no período da República, com mais ênfase a partir da década de 1930, o estado brasileiro optou pela intervenção direta na economia, especialmente através de empresas estatais.
No ano de 2019 voltou à baila o debate do modelo de estado, que, a partir da Constituição Federal de 1988, passou a adotar o modelo de estado regulador, devendo intervir diretamente na economia excepcionalmente. Existe um hiato entre o disposto no art. 173 da Carta Magna vigente e as regulações econômicas expedidas pelo estado brasileiro, que apontam para um modelo de estado ainda bastante interventor, quer através da exploração direta de atividades econômicas pelo ente estatal, quer através da regulação econômica.
Essa contradição entre o disposto no texto constitucional e a realidade normativa, tem gerado pouca liberdade econômica aos agentes econômicos privados, além de um elevado custo regulatório, prejudicando sobremaneira a competição dos produtos brasileiros no mercado internacional. Diante dessa realidade, propõe-se o seguinte problema de pesquisa: a liberdade de transação é necessária para o desenvolvimento socioeconômico sustentável brasileiro? Como resposta ao problema de pesquisa apresentado, propõe-se a seguinte hipótese: um verdadeiro desenvolvimento socioeconômico só é possível com a garantia da liberdade de transação dos agentes econômicos, pessoa física ou jurídica, pois, de acordo com Amartya Sen, ratificando o já percebido pelo filósofo da Antiguidade, Aristóteles, o desenvolvimento econômico de uma nação passa pela liberdade de transação dos indivíduos.
Em relação aos objetivos desta pesquisa, serão divididos, de forma metodológica, em duas espécies: a) objetivo geral; e b) objetivos específicos. O objetivo geral reside em analisar se existe efetiva e materialmente respeito à liberdade de transação no Brasil no final da segunda década do Século XXI. Os objetivos específicos constituem os seguintes: analisar o conceito de liberdade de transação na obra Desenvolvimento como Liberdade de Amartya Sen; compreender o significado de desenvolvimento como liberdade na mencionada obra do pesquisador indiano; perquirir se existe atualmente no Brasil um movimento de atribuição de liberdade de transação no ordenamento jurídico aos indivíduos e empresas.
A metodologia utilizada no presente artigo será a dissertativa-descritiva, com a análise do conceito de liberdade de transação na obra Desenvolvimento como Liberdade, do teórico Amartya Sen, e a sua adoção no estado brasileiro com vistas a propiciar um desenvolvimento socioeconômico através da aludida liberdade.
É tradição adotar o índice do Produto Interno Bruto – PIB como medida de geração de riqueza e de desenvolvimento econômico de uma nação, por representar o índice um dado concreto, que é a geração total de riqueza de um determinado país em um dado período de tempo. Porém, apenas o dado de geração de riquezas parece não ser suficiente para retratar a realidade do desenvolvimento, em especial quando se pretende analisar o desenvolvimento social.
Diante disso, o pesquisador indiano Amartya Sen propôs, na sua obra “Desenvolvimento como Liberdade” a adoção de outros parâmetros para a aferição do desenvolvimento de um povo, de uma nação. Para ele, a liberdade é uma medida mais útil e precisa para se medir o grau de desenvolvimento de uma economia. Assim, manifesta-se ele no seguinte sentido:
É principalmente uma tentativa de ver o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam. Nesta abordagem, a expansão da liberdade é considerada (1) o fim primordial e (2) o principal meio do desenvolvimento. Podemos chamá-los, respectivamente, o “papel constitutivo” e o “papel instrumental” da liberdade no desenvolvimento. O papel constitutivo relaciona-se à importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana. As liberdades substantivas incluem capacidades elementares como por exemplo ter condições de evitar privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade de expressão etc (SEN, 2010, p. 55).
E, ainda na mesma obra, apresenta Amartya Sen (2010, 2010, p. 55) resume o conceito de desenvolvimento inserido na perspectiva constitutiva: “Nessa perspectiva constitutiva, o desenvolvimento envolve a expansão dessas e de outras liberdades básicas: é o processo de expansão das liberdades humanas, e sua avaliação tem de basear-se nessa consideração”.
Como defendido por Amartya Sen, a liberdade se transforma em uma medida do desenvolvimento socioeconômico, quanto maior o espectro da liberdade de um povo, maior será o desenvolvimento deste, ou, maior será o potencial de desenvolvimento deste povo.
A liberdade possui um caráter dúplice, ao mesmo tempo sendo o “fim primordial” e “principal meio” do desenvolvimento, isto é, é o objetivo principal e instrumento do desenvolvimento. Ao mesmo tempo tem liberdade a função é substância e de instrumento, não tendo nenhuma dessas funções prevalência sobre a outra, mas sim complementariedade, pois nesse processo de expansão das liberdades com a finalidade de assegurar mais liberdade ao indivíduo, o desenvolvimento vai sendo alcançado.
Interessante observar que a teoria apresentada e defendida por Amartya Sem dá um relevo importante ao indivíduo, com a defesa da busca do aumento da liberdade ao indivíduo, inclusive com vários exemplos de falta de liberdade individual como causa de exposição da pessoa a riscos elevados de morbidez na tentativa de sobrevivência em um ambiente sem liberdade, sem possibilidade de escolha.
Dentre todas as possíveis liberdade humanas, uma merece ser debatida, pois recebe pouco espaço nos debates acadêmicos brasileiros, qual seja, a liberdade de transação. Amartya Sen reconhece a importância dessa liberdade no aumento das capacidades individuais com vistas ao desenvolvimento.
O professor Neuro Zambam (2009, p. 72), em sua tese de doutorado sobre a Teoria da Justiça de Amartya Sen, afirma que a “relação injusta ocorre quando existe uma distribuição forçada ou são negados os direitos à propriedade; por isso, impedem a livre transação econômica”, confirmando que a preocupação com a liberdade de transação econômica é uma preocupação constante no pensamento de Amartya Sen.
Dados empíricos comprovam que quanto maior a liberdade econômica de uma nação, maior tende a ser o seu desenvolvimento. De acordo com o Índice de Liberdade Humana 2018, os quatro primeiros países com maior liberdade são, respectivamente, Nova Zelândia, Suíça, Hong Kong e Austrália (VASQUEZ; PORCNOK, 2019, p. 10).
O mesmo índice demonstra que o Brasil se encontra em 123º lugar em uma lista de 162 países. No ranking da América Latina e Caribe, encontra-se na posição 25, de 26 nações, ganhando apenas para a Venezuela (VASQUEZ; PORCNOK, 2019, p. 12, 41).
O referido índice, denominado de Índice da Liberdade Humana, tem em sua composição as variáveis liberdade pessoal e liberdade econômica, cuja média é denominada de liberdade humana. Constata-se a importância da liberdade econômica na composição da liberdade humana, demonstrada no mencionado índice, importante ferramenta de mensuração da liberdade do ser humano como categoria essencial no desenvolvimento.
Assim sendo, o índice da Liberdade Econômica demonstra a validade da teoria de Amartya Sen, que, dentre outros pontos, afirma que a liberdade de transação é um importante instrumento na busca do desenvolvimento socioeconômico do indivíduo, conforme se depreende do seguinte trecho de sua obra:
Nas discussões recentes, ao se avaliar o mecanismo de mercado o enfoque tende a ser sobre os resultados que ele produz, como por exemplo as rendas ou as utilidades geradas pelos mercados. Essa questão não é pouco importante, e tratarei dela em breve. Mas o argumento mais imediato em favor da liberdade de transações de mercado baseia-se na importância fundamental da própria liberdade. Temos boas razões para comprar e vender, para troca e para buscar um tipo de vida que possa prosperar com base nas transações (SEN, 2010, p. 151).
Para Amartya Sen (2010, p.120), a pobreza é vista como uma importante privação de capacidades básicas, conforme se depreende da sua exposição a seguir transcrita:
[…] há bons motivos para julgar a vantagem individual em função das capacidades que uma pessoa possui, ou seja, das liberdades substantivas para levar o tipo de vida que ela tem razão para valorizar. Nessa perspectiva, a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é critério tradicional de identificação de pobreza.A pobreza como redutor das liberdades individuais é um dado incontestável, pois a ausência de recursos financeiros básicos expõe as pessoas a um risco maior de morte, de doenças, praticamente eliminando a capacidade de escolha do indivíduo. E a liberdade de transação do indivíduo, dentro das capacidades que geram liberdade, é um instrumento de suma importância no desenvolvimento, como bem pontuado por Amartya Sen:
Nas discussões recentes, ao se avaliar o mecanismo de mercado o enfoque tende a ser sobre os resultados que ele produz, como por exemplo as rendas ou as utilidades geradas pelos mercados. Essa questão não é pouco importante, e tratarei dela em breve. Mas o argumento mais imediato em favor da liberdade de transações de mercado baseia-se na importância fundamental da própria liberdade (SEN, 2010, p. 151).
A liberdade de transação de mercado tem importância fundamental na própria liberdade, como referenciado por Amartya Sen, devendo tal liberdade ser garantida à população para que possa, através do empreendedorismo, da constituição de pessoas jurídicas, ou até mesmo das simples trocas comerciais feitas pessoa a pessoa, gerar renda e assim expandir o espectro da liberdade. E com aumento de renda, dentro do processo de desenvolvimento desenhado por Sen, as pessoas terão mais capacidades para conquistas as demais dimensões da liberdade, a exemplo da liberdade de expressão, liberdade política etc.
O Brasil é um país que impõe várias barreiras à liberdade de transação, notório pela burocracia estatal. Apenas a indústria automotiva gasta R$ 2,3 bilhões ao ano com burocracia, valor esse que poderia ser empregado no desenvolvimento de novos produtos, de novos processos de produção, no pagamento de bônus aos empregados, ou de qualquer outra forma mais eficiente para a indústria.
Estudos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP comprova que as indústrias gastam 1,2% do seu faturamento para cumprir as obrigações acessórias e para pagar tributos. Ainda de acordo com a FIESP (2019), o custo da burocracia tributária em 2018 foi de R$ 37 bilhões. De acordo com o jornal Correio Brasiliense (2019), foi o equivalente a 5% do PIB da indústria de transformação e 9,3 vezes superior aos que os principais parceiros comerciais brasileiros gastam: “Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Espanha, Estados Unidos, França, Índia, Itália, Japão, México, Reino Unido e Suíça”.
No mesmo estudo da FIESP (2019), 83,2% das empresas participantes da pesquisa apontaram o alto custo da burocracia como impeditivo para o início ou expansão dos seus negócios.
Comprova-se uma pouca liberdade de transação no Brasil, o que impede um desenvolvimento sustentável dos brasileiros e, por conseguinte, da República Federativa do Brasil.
O mundo ocidental, especialmente a partir da década de 1970, percebeu que o modelo de Estado interventor estava falindo o próprio Estado, gerando um enorme ônus para a sociedade, pois precisava aumentar a carga tributária para financiar o custeio da máquina pública. Assim, consoante Giandomenico Majone (2006, p.57), o estado intervencionista deu lugar ao estado regulador.
Este modelo de Estado interventor nas relações individuais tinha como principais características no que tange ao modelo de sistema jurídico, um modelo solidarista, ou seja, as vontades individuais deveriam se adequar a vontade coletiva representada no Estado
[…] solidarismo, portanto, apresenta uma substituição do sujeito de direito. Essa passa a ser o todo, o Estado, o social, as corporações. Os indivíduos só têm deveres é o Estado quem possui direitos. […] A doutrina dita solidarista moveu-se […] a vontade das partes […] a vontade de quem tem o poder e autoridade para determinar cláusulas, condições, negócios obrigatórios, a vontade do legislador, representante que unívoco (ou pelo menos unificador) das tendências sociais em cujo nome se dirigia a sociedade (TIMM , 2015, p. XXV-XXVI)Diante da falência daquele modelo econômico de estado, qual seja, o modelo da exploração direta na economia, passou-se a adotar o modelo do estado regulador, conforme acima mencionado. De acordo com Luz Neto (2016, p. 33), “hoje, no mundo ocidental, há o Estado regulador como modelo, com intervenção na economia através da expedição de normas regulatórias, não mais intervindo diretamente na atividade produtiva, em regra, mas apenas em situações excepcionais”.
Não obstante o texto constitucional brasileiro, no caput do art. 173, determinar que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado se dê de forma excepcional, seguindo o modelo de estado regulador, quando houver relevante interesse coletivo ou quando necessária aos imperativos da segurança nacional, constata-se que o estado brasileiro tem uma presença considerável na exploração direta de atividade econômica, inclusive com reserva de mercado em alguns setores econômicos, a exemplo dos monopólios elencados no art. 177, caput, e incisos I ao V, da Constituição Federal (1988).
A exploração direta do Estado na atividade econômica, fora da exceção prevista no caput do art. 173, resulta em quase total incapacidade de competição no mercado pelos demais agentes econômicos, pois é praticamente impossível competir com empresas estatais que, quando não conseguem gerar lucros em um determinado período, recebem recursos públicos em seus caixas para que não quebrem, aniquilando, desta forma, a livre concorrência.
A Constituição Federal de 1988 inaugurou o estado regulador, pela leitura do art. 173, caput, porém a realidade brasileira ainda aponta um estado operando como agente econômico fora das exceções constitucionais, o que gera distorções no mercado que impedem o exercício da liberdade de transação, quer porque elimina a competição, quer porque impede a entrada de novos players em setores econômicos nos quais a Carta Magna criou monopólio estatal.
A regulação econômica desenvolvida pelo Poder Legislativo e pelas Agências Reguladoras também é outro fator de diminuição da liberdade de transação no Brasil, pois impede ou dificulta bastante a competição efetiva nos setores econômicos regulados. Felizmente, em 2019, o governo federal editou a MP 881/2019, que recebeu a alcunha de Medida da Liberdade Econômica, visando a diminuição da burocracia para a abertura de empreendimentos de baixo risco, melhorando, assim, o ambiente para o exercício da atividade econômica, em especial os pequenos empreendedores. A MP 881/2019 foi convertida na Lei nº 13.874/2019, estando em plena vigência.
Uma novidade bastante interessante introduzida no ordenamento jurídico pela Lei nº 13.874/2019 foi a necessidade de realização de estudo prévio de impacto regulatório para verificar-se, previamente à edição e publicação da regulamentação, quais impactos econômicos serão gerados, se serão geradas mais externalidades positivas do que negativas. Eis a dicção legal do art. 5º do mencionado diploma legal:
Art. 5ºAs propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico (BRASIL, 2019).
Iniciativa legal que está em consonância com a liberdade de transação defendida por Amartya Sen, pois obriga o órgão regulador a, antes da expedição do ato de regulação, a promover o estudo prévio dos impactos da regulação, de modo criar a possibilidade de evitar o ingresso de uma má regulação, aquela que produz ônus desnecessário ao agente econômico, no ordenamento jurídico, evitando prejuízos para a economia como um todo.
Um ponto em estreita correlação com a liberdade de transação na MP 881/2019, no art. 3º, inciso VII, que infelizmente foi vetado pelo Presidente da República, que era a possibilidade de realização de testes de um novo produto ou serviço para um grupo privado e restrito de pessoas maiores e capazes, com o intuito de teste de mercado. Isso diminuía sobremaneira o custo de desenvolvimento de novos produtos e serviços, em especial dos produtos digitais, que poderia trazer resultados interessantes para a sociedade, pois iria, além de diminuir os custos de desenvolvimento, abreviaria o tempo para a colocação no mercado amplo.
O ambiente normativo que a lei 13.874/2019 inaugura no Brasil é de fomentar o respeito a liberdade de escolha dos indivíduos, assim, o Estado, bem como, quaisquer dos seus entes de controle: Poder Judiciário, Agências Reguladoras, dentre outros, ao se debruçarem sobre questões que envolvam negócios jurídicos celebrados entre dois ou mais indivíduos deverão tutelar a liberdade de escolha dos indivíduos como um valor jurídico primordial.
Outro exemplo que pode ser destacado como marco normativo para o respeito a liberdade de transação, foram as alterações promovidas no âmbito do direito contratual, aqui entendendo contrato enquanto operação jurídico-econômica, segundo Vicenzo Roppo:
[…] disse-se que o contrato é uma operação econômica, realizada através da produção de efeitos jurídicos: estes consistem no fato de uma pessoa dar qualquer coisa à outra pessoa, transferindo-lhe um seu direito, ou de uma pessoa prometer qualquer coisa a uma outra pessoa, vinculando-se juridicamente a executar uma prestação a favor desta. […] evidentemente, por duas razoes possíveis, alternativas entre si: ou porque – movido por impulsos de generosidade e altruísmo – deseja beneficiar a contraparte; ou então porque – e é o que acontece na grande maioria dos casos – se espera qualquer coisa em troca da contraparte: o nosso operador dá ou promete à outra parte, porque esta é a condição com a qual pode conseguir que a contraparte dê ou prometa aquilo em que está interessado; ele dá para receber, na lógica da troca econômica. […] dizer-se que a causa consiste na troca entre as prestações contratuais a que as partes se obrigaram reciprocamente, entre a sai, como correspectivo, é dado ou prometido pela contraparte. Por outras palavras, a transferência de riqueza efetuada por cada uma das partes a favor da outra encontra causa – razão, justificação, explicação aos olhos tanto dos contraentes como do ordenamento jurídico – na transferência de riqueza que a outra parte efetua a favor da primeira, e o contrato no seu conjunto encontra causa na combinação e na relação entre as duas transferências de riqueza – em definitivo, na troca. Mas a relação e a combinação entre as duas transferências de riqueza – a troca, justamente – mais não é que a operação econômica a qual o contrato dá veste e força legal. A causa do contrato identifica-se, então, afinal, com a operação jurídico-econômica realizada tipicamente por cada contrato, com o conjunto dos resultados e dos efeitos essenciais que tipicamente, dele derivam, com a sua função econômico-social, como frequentemente se diz. Causa de qualquer compra e venda é, assim, a troca da coisa pelo preço […] (ROPPO, 2009, pp. 195-197)Assim, falar em contrato é falar numa operação econômica com um viés jurídico, operação esta fundamental para o desenvolvimento social e econômico, é através dos contratos que há circulação de riqueza, transferência de patrimônio, prestação de serviços muitas vezes essenciais para a concretização das liberdades individuais de cada indivíduo, dentre outros bens jurídicos.
Enquanto operações econômicas o contrato deve perseguir a maior eficiência econômica, não necessariamente no sentido exclusivamente financeiro, mas eficiência no sentido de alcançar para as partes o cumprimento das obrigações dispostas nos contratos, ou seja, eficiência no sentido de eficácia das obrigações contratuais, mas para alcançar este resultado é imprescindível que as instituições respeitem a liberdade contratual de cada uma das partes.
Liberdade contratual relacionada a faculdade das partes contratantes de em nome do princípio da autonomia privada poderem escolher o conteúdo dos contratos:
A autonomia privada abrange a liberdade de contratar e a liberdade contratual. A liberdade de contratar (a Abschlussfriheit dos autores alemães) importa em liberdade de decidir celebra, ou não, o contrato e liberdade de escolher o outro contratante; já a liberdade contratual (Gestaltungsfreiheit), na liberdade de determinar o conteúdo do contrato, valendo-se, inclusive, da autorização legal para a criação de contratos atípicos (SANTIAGO, 2008, p. 32).
O respeito por parte das instituições a liberdade contratual dos indivíduos, tende a construir um mercado mais eficiente, mercado entendido enquanto espaço público destinado a realização de trocas de bens e serviços, na medida em que as instituições respeitam a vontade manifestada pelos indivíduos nas operações econômicas, noutras palavras respeitam a liberdade de transação, gerando com isso um ambiente negocial permeado de previsibilidade normativa, que por sua vez acarreta nos indivíduos uma previsibilidade comportamento, reduzindo com isso os riscos decorrentes das incertezas, consequentemente otimiza as operações econômicas com a redução dos custos de transação.
Para uma troca individual simples, recorro à transferência de um imóvel residencial nos Estados Unidos dos tempos atuais. Essa transferência abarca uma série de direitos sobre um bem material em troca de uma quantia em dinheiro. Os direitos são tanto os direitos legais que estipulam o que se pode fazer com o imóvel como os direitos sobre os atributos físicos do imóvel. A quantia em dinheiro é um domínio sobre recursos. As instituições determinam quão custoso é proceder à troca. Os custos consistem nos recursos necessários para mensurar tanto os atributos legais como físicos que são objeto de troca, nos custos de fiscalizar e executar o trato e em um desconto por incertezas que reflete o grau de deficiência da mensuração e da execução dos termos da troca. A magnitude do desconto por incertezas será influenciada por fatores específicos ao contrato, tais como informações assimétricas sobre o estado da casa (de conhecimento do vendedor) e sobre a situação financeira do comprador (de conhecimento do comprador), por fatores de âmbito distrital, tais como a eficácia da prevenção à criminalidade, e por fatores de âmbito nacional, tais como a estabilidade do nível dos preços. (NORTH, 2018, p.112)
As instituições possuem papel preponderante na fixação dos custos de transação das operações econômicas, o Estado possui o condão de através dos seus vários entes de fiscalização e controle, determinar se as transações operadas entre os indivíduos serão ou não eficientes, o excesso de intervencionismo estatal nas relações econômicas, cumulada com a ausência de uma cultura e um sistema normativa que garanta amior eficácia dos precedentes judiciais, tende a gerar um ambiente permeado de incertezas jurídicas, consequentemente eleva com isso o custo de transação das operações, (Rodrigues, 2018, p.115).
A predição do direito a liberdade de transação é fundamental para garantir operações econômicas com baixo custo de transação, entende-se por predição do direito:
A predição é formulada através do estudo de todo material jurídico produzido. A produção jurídica que pode englobar jurisprudência, legislação, principiologia e doutrina é assim, oráculo da lei. Os esforços legais são, dessa forma, no sentido de tomar as profecias mais precisas. Para isso, fazem-se generalizações a partir do conjugado de leis e jurisprudência ou, no caso de Holmes, de precedentes, demonstrando que, geralmente, diante do fato X tem-se o resultado Y. Em seguida, num caso concreto, são levantados os fatos de natureza para o direito, de modo que se tem um modelo que pode ser alocado numa das generalizações anteriormente preparadas. Assim, o trabalho legal é predizer que, se um homem fizer ou deixar de fazer lago, ele poderá ou não ser levado a responder por isso por uma corte. As generalizações são reduzidas a um número finito de dogmas que servem para fundamentar as predições. Se um estudioso quer conhecer esses dogmas e nada mais, de modo a predizer resultados, Holmes o chama de bad man. O good man, por sua vez, encontra suas razoes de conduta, seja fora ou dentro do direito, em sanções da consciência. (FERNANDES, 2016, p.53-54)
A liberdade de transação como importante instrumento para se alcançar o desenvolvimento, necessita de um ambiente que prestigie a autonomia de escolha dos indivíduos, as formalidades e exigências por parte do Estado tendem, conforme visto anteriormente a reduzir o grau de eficiência econômica das operações celebradas entre os indivíduos, a construção de um ambiente negocial com previsibilidade normativa e comportamental tende a construir uma sociedade que autorregula
Quando as compras e vendas se transformaram em atos incessantes, quando não há um instante em que o comércio descanse, não podemos mais pedir a cada comprador e vendedor que prestem juramento, que recorram a esta ou aquela fórmula definida etc. O caráter cotidiano e a continuidade dessas relações excluem obrigatoriamente toda solenidade e chega-se então naturalmente a buscar formas de diminuir o formalismo, de aliviá-lo ou até mesmo de fazê-lo desaparecer (DURKHEIM, 2015, p. 205)
A liberdade de transação possui um importante papel no desenvolvimento e na concretização de todas as vertentes da liberdade dos indivíduos, quanto maior o grau de liberdade mais operações econômicas eficientes tendem a surgir em virtude da redução dos custos de transação, permitindo com isso na celebração de novos negócios, a circulação de riqueza e prestação de serviços, inclusive aqueles essenciais a vida humana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia: física dos costumes e do direito. Tradução de Cláudia Schilling. São Paulo: Edipro, 2015, p.198.
FERNANDES, Manuela Braga. Uma análise do princípio da segurança jurídica através do realismo de Jerome Frank: a aceitação da incerteza no direito. 2015. 100. f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016.
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de obtenção: 2009
[1] Advogado, Mestre em Direito Econômico pela UFPB, Doutorando em Direito Humanos e Desenvolvimento na UFPB, e-mail: prof.luizguedes@gmail.com
[2] Coordenador e Professor tutor do polo da Universidade Presbiteriana Mackenzie em João Pessoa/PB. Advogado, Mestre em Direito Econômico pelo UNIPÊ, Doutorando em Direito Humanos e Desenvolvimento na UFPB, e-mail: alinsonrr@yahoo.com.br
[3] Professor Associado no Curso de Direito da UFPB, Doutor em Direito pela UFPE e em Filosofia pela UFPB, Mestre em direito pela UFPE, e-mail: enoque.feitosa.sobreira@gmail.com
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