É fantástico ver diversos gestores públicos (governadores e prefeitos) extremamente preocupados com a saúde e a vida da população brasileira, aparecendo em redes sociais, postando fotos de tele reuniões com as suas equipes em gabinetes luxuosos enquanto buscam incessantemente soluções. Afirmam que estão tomando todas as medidas necessárias para o combate ao vírus chinês, também conhecido como COVID-19.
Se realmente tivessem a real preocupação com a vida e a saúde da população, esses gestores públicos (bem como os que os antecederam, que muitas vezes são padrinhos políticos dos atuais) não teriam deixado a rede pública de saúde (clínicas, hospitais, laboratórios etc.) aos frangalhos, praticamente colapsada. Diante da realidade brasileira da rede pública de hospitais, qualquer incremento na demanda aproxima ainda mais do colapso a referida rede. Não precisa de muito.
Vários hospitais públicos foram fechados no Brasil nos últimos 20 (vinte) anos. Hospitais esses que poderiam estar dando suporte ao atendimento das pessoas que precisam ser hospitalizadas hoje, não apenas em razão da COVID-19, mas também em decorrência de outras doenças. Sim, as pessoas também precisam de atendimento médico por causa de outras patologias, apesar da imprensa mencionar apenas os casos de internação de suspeitos de corona vírus. Digo suspeitos porque, até onde foi divulgado, não se testa todas as pessoas.
E a estratégia do momento (início de maio de 2020), tão em voga entre vários prefeitos e governadores, é a implementação do lockdown. O que me espanta é a certeza demonstrada pelos defensores do lockdown quanto à sua eficácia, mesmo diante de um vírus (pelo menos a cepa atual) ainda desconhecido dos médicos.
A ciência seriamente praticada está repleta de dúvidas quanto à COVID-19, enquanto que os gestores estaduais e municipais estão repletos de certeza da eficácia e da necessidade do fechamento total das cidades. Às vezes chego a invejar tal certeza, mas logo passa esse sentimento.
Para a decretação de um lockdown, medida extrema, haveria a necessidade de uma coleta séria de vários dados, de tratamento desses dados e da nomeação de um comitê de gestão de crise com profissionais de diversas áreas, sendo capitaneado tal comitê por um profissional experimentado em gestão de crise. Quando falo em profissional experimentado, quero dizer que o profissional tem de ter experiência prática em gestão de crise e não apenas uma titulação em algum curso de gestão de crise. Parece não haver esse profissional em número suficiente para ajudar na gestão dessa crise sanitária nos diversos estados e municípios da federação.
Com os dados coletados e analisados da realidade, haveria a necessidade da realização de um planejamento. Outro ponto fraco no país, que historicamente foi avesso ao planejamento, mais parecendo preferir o improviso e a precariedade das decisões pela imposição dos governantes. E o resultado da falta crônica de planejamento é o que todos os brasileiros sabem e sentem na pele, a ausência de uma rede pública de saúde devidamente equipada para atender com qualidade a todos, isso sem falar dos reflexos da ausência de um bom planejamento na educação e na eficiência de grande parte dos serviços públicos.
Diante desse histórico brasileiro (ausência de planejamento e da adoção de estratégias eficientes em política pública), o que poderia me convencer de que agora, de forma objetiva, eficiente e necessária, os municípios e os estados brasileiros estão capacitados para implementar um lockdown em benefício do cidadão e não apenas para saciar a vontade de alguns gestores de mostrar à sociedade de que podem quase tudo? Conseguiram coletar e analisar dados reais da situação e realizar um planejamento eficiente (aprenderam a fazer isso em menos de 3 meses?) que possa efetivamente trazer benefícios à população?
Até agora parece que só convenceram aqueles que já preconizavam o lockdown, pois não apresentaram à sociedade dados concretos e estudos sérios que demonstrem adequadamente a eficiência do fechamento total da cidade na luta contra a disseminação do corona vírus.
Pelos dados coletados pelo Ministério da Saúde, tudo indica que o Brasil já se encontra no pico dos casos de corona vírus, o que não adiantaria a realização de um lockdown, tornando-se essa medida inócua, pois, naturalmente, após o alcance do pico, a curva descerá com ou sem a implementação do fechamento total das cidades e dos estados. De duas uma, ou os governadores e prefeitos desconhecem esse aspecto, ou querem aproveitar a descida natural da curva após o pico como mero oportunismo político. A história trará à luz qual das duas opções acima apresentadas é a verdadeira.
Outro ponto que não é considerado pelos gestores públicos municipais e estaduais é o fracasso do lockdown em várias cidades estrangeiras, a exemplo de várias cidades da Grã-Bretanha, em Nova York, entre outros locais. Na Grã-Bretanha trocou-se o slogan “fique em casa” pelo “fique seguro”. A Suécia é um exemplo interessante de não realização do bloqueio total com resultados extremamente positivos. Esses exemplos deveriam ser analisados pelos gestores brasileiros para que se utilizassem aqui, com as devidas adaptações, as medidas lá implementadas.
Interessante será quando a sociedade tiver a certeza de que essas medidas mais drásticas de limitação da mobilidade do cidadão, que afetam o direito da pessoa de trabalhar e de produzir o seu sustento, que geram bem mais danos (esses concretos) do que eventuais benefícios (ainda no campo abstrato), não funcionam da forma como propagandeada pelos governadores e prefeitos. Espera-se que dessa vez o cidadão eleitor lembre-se desses gestores em outubro próximo, momento das eleições para prefeitos (se os prefeitos não concorrerem à reeleição, observem quem eles apoiam) e vereadores.
Referências
Gráfico dos casos de COVID-19: https://covid.saude.gov.br/
Para ler sobre a pandemia e os defensores da ciência, clique aqui.
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