O STF e a Criminalização da Homofobia
O Brasil é um país peculiar. Em tese, a República Federativa do Brasil é um estado de direito, que deve obediência à lei, em especial à Lei Maior. Na Constituição há a separação das funções do Estado seguindo a clássica tripartição do poder, de Montesquieu, em três funções: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, o país adotou os princípios da legalidade e da anterioridade da lei penal. Isso significa que para um fato ser considerado crime, há a necessidade da existência de lei que tipifique tal conduta como crime e que essa lei seja anterior ao fato tido como criminoso praticado pelo cidadão.
Eis o que a Carta Magna dispõe, no art. 5º, inciso XXXIX, sobre os princípios acima mencionados:
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Além do mais, o próprio texto constitucional prevê que cabe à União Federal a competência para legislar sobre direito penal, no art. 22, inciso I. Eis o dispositivo constitucional:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Desta forma, o constituinte originário, quando da repartição de competência legislativa entre os entes da federação, atribuiu tal competência ao legislativo da União, isto é, ao Congresso Nacional. Assim, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal têm legitimidade democrática assentada na Constituição Federal para legislar sobre direito penal, ou seja, sobre as condutas que o povo (representado pela Câmara dos Deputados) e os Estados Membros (através do Senado) entendem que devem ser considerados fatos típicos e, por consequência, merecem ser punidos criminalmente pelo Estado brasileiro.
Lembro-me muito bem quando os meus professores de direito penal na faculdade de direito afirmam de forma veemente que somente através de lei o Estado brasileiro pode criminalizar condutas. Sobre isso não havia dúvida, sendo um ponto pacífico na doutrina penal brasileira.
Porém, como quase nada no Brasil é pacificado, o Supremo Tribunal Federal, a Corte constitucional brasileira, responsável pela salvaguarda da Constituição Federal, está julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, cuja relatoria cabe ao Ministro Celso de Mello. Referida ADO foi intentada para declarar a omissão legislativa do Congresso Nacional acerca da proteção legal da comunidade LGBT.
Seis ministros votaram pela declaração de omissão legislativa do Congresso Nacional e deram interpretação conforme a Constituição Federal para enquadrar atos de homofobia e de transfobia nos tipos penais previstos na legislação que define os crimes de racismo, até que o Congresso Nacional aprove lei específica sobre a matéria.
Essa postura do STF está inserida no que se denomina ativismo judicial, muito presente na suprema corte nos últimos anos. E isso suscita uma dúvida importante em um estado democrático de direito: até onde o ativismo judicial pode ir de forma legítima em um estado democrático de direito?
Como quase tudo em direito, há visões antagônicas sobre um determinado ponto. Em relação a esse julgado, com certeza aparecerão os defensores da postura do STF, de enquadrar os fatos típicos como racismo até que o Congresso publique uma lei tipificado como crime a homofobia, com a descrição do tipo penal e pena; do outro lado, aparecerão os opositores a essa decisão do STF.
Para mim, o mais seguro dentro do nosso sistema constitucional é não se substituir o Congresso Nacional pelo Poder Judiciário. Isso gera uma insegurança jurídica enorme, o que não é salutar para o Brasil, que já convive há muitos anos com um cenário conturbado pela falta de segurança jurídica.
Ademais, substituir o Congresso Nacional na elaboração de lei é uma postura institucional que detém uma elevada carga de déficit democrático, pois o STF não foi eleito pelo povo, bem como não está inserida na sua competência constitucional a elaboração de lei.
Porém, para mim, o pior aspecto dessa decisão do STF é ir de encontro ao princípio da legalidade insculpido na Constituição Federal. Todos que estão sob a soberania interna brasileira tem como garantia contra o Estado as garantias constitucionais. E na constituição há um comando expresso de que somente por lei poderá se criar um tipo penal. Não obstante isso, o STF permite uma aplicação de outro tipo penal (racismo), que foi criado para conduta diversa, aos atos considerados homofóbicos, e, por interpretação extensiva, que deve ser evitada a todo custo em matéria de direito penal.
Além disso, talvez o direito penal não seja a melhor forma de proteção, talvez sendo mais eficaz medidas protetivas na esfera civil. Mas isso já é matéria para outro debate.
Dito isso, fica a reflexão para todos nós: vale a pena sacrificar o princípio da legalidade (com previsão expressa na constituição), como o fez o STF, colocando dessa forma um risco a mais no sistema jurídico brasileiro?
Link da notícia do site do STF, clique aqui.
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Caro Luiz Guedes
Uma Suprema Corte que não respeita a própria Constituição, cuja estrita observância é de sua alçada, sob a alegação da morosidade e desinteresse do Legislativo, o que esperar?
Fica, assim, público e notório o disfarçado atendimento de interesses ideológicos.
Nada mais além disso.
Olá Odilon,
Complicado mesmo quando a Suprema Corte escreve outra constituição quando a interpreta, ao invés de respeitar a existente.
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