O erro de uma filosofia do direito moderna. Francesco D’Agostino e o problema da eutanásia

O erro de uma filosofia do direito moderna. Francesco D’Agostino e o problema da eutanásia

O erro de uma filosofia do direito moderna. Francesco D’Agostino e o problema da eutanásia

Um dos erros das filosofias modernas é subordinar os problemas ontológicos aos epistemológicos.

Quando se faz essa subordinação, o observável torna-se mais importante do que o essencial e isso pode causar danos irreparáveis ao ser humano.

A ontologia diz respeito ao ser das coisas, a epistemologia refere-se ao modo de conhecê-las.

O eminente filósofo do direito, Francesco D’Agostino, tem uma tese filosófica interessante sobre a eutanásia que ilustra essa mencionada sobreposição.

Como ele explica, dada a estrutura relacional do direito, a Eutanásia não se justificaria, pois existe uma falha nessa estrutura que viciaria toda operação. Diz D’Agostino:

“a Eutanásia implica a intervenção de ao menos duas pessoas: o paciente e o operador. A questão jurídica refere-se a essa relação. Qual é a relevância legal do mandato dado ao operador?”

Ou seja, pode ser que a autorização do paciente esteja fundada numa debilidade mental causada pela própria doença, o que, por si só, viciaria o mandato conferido ao operador.

Como se observa, a filosofia de D’Agostino resolve esse problema. Muitos pacientes permitem a própria morte por causa de problemas mentais causados por doenças físicas que inibem o discernimento. Bastaria uma neurose para invalidar o consentimento e impedir a eutanásia.

Sendo assim, qual seria o ponto em que a filosofia de D’Agostino erra?

Erra no ponto em que não leva em consideração o direito à existência e a consequente inviolabilidade da vida humana, mas só a questão operacional da eutanásia(o conhecimento de como ela acontece).

Os fundamentos filosóficos devem ser ontológico e ético para proteger a vida dos seres humanos mais vulneráveis e impedir definitivamente a eutanásia(ver nosso texto “A noção de debitum tão importante para o direito à luz do pensamento de Jacques Maritain e a questão do mal ontológico em Tomás de Aquino).

Pois bem, bastaria uma lei aprovada num parlamento democrático, suprimindo o consentimento do paciente e toda filosofia de D’Agostino concernente à eutanásia desmoronaria.

E é, por exemplo, o que pode ocorrer em Quebec, no Canadá, onde não será mais preciso o consentimento informado para praticar a eutanásia em portadores do mal de Alzheimer(abordamos esse tema no artigo “Eutanásia sem o consentimento informado e as culturas de morte e do descarte).

Com efeito, o aspecto jurídico da filosofia de D’Agostino não chega ao cerne da questão da inviolabilidade da vida humana e não a protege.

A subordinação do problema ontológico(inviolabilidade da vida humana; direito à existência, ontológico/eticamente devido, que deve ser respeitado em consciência por todos sem nenhuma possibilidade de se frustrar esse direito) ao problema epistemológico (conhecimento da estrutura da eutanásia) é um erro que pode ocasionar perda de vidas humanas.

O mero conhecimento da deficiência da estrutura relacional da eutanásia não protege, em definitivo, a vida do paciente, pois este pode ser morto sem a necessidade de conceder mandato ao operador, bastando estar com uma doença irreversível a exemplo do mal de Alzheimer e ter suprimido o seu consentimento.

P.S.: A epistemologia, estudo de todos os processos que dizem respeito ao pensamento e ao conhecimento(forma que assume), é de fundamental importância para a filosofia e para as ciências, só não podemos concordar com a supremacia dessa vertente filosófica em detrimento da ontologia e da axiologia.

Neste blog, por exemplo, no que concerne aos Direitos humanos ou “novos direitos”, já utilizamos a epistemologia para explicar como funciona o mecanismo que provoca o ativismo judicial (ver nosso artigo “O caso Manuela e as 17 contra El Salvador: uma fraude perante a Corte Interamericana de Direitos humanos e a comunidade internacional. Grupos de pressão, manipulação e a possibilidade do ativismo judicial).

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Luís Fernando Pires Braga

Advogado.

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