A face totalitária da democracia. Reflexões em Rèmi Brague e T.S. Eliot.
No livro “A Ideia de sociedade cristã e outros escritos”, discorre T.S. Eliot, entre outras coisas, sobre a degeneração do liberalismo e da absolutização da democracia.
Em determinado momento da obra, aceita a opinião do historiador Christopher Dawson que previa o surgimento de uma “espécie de democracia totalitária”.
Rèmi Brague, por sua vez, elabora uma história filosófica da Lei Deus.
Revela, entre outros assuntos, como a Lei de Deus foi instrumentalizada e de como a lei passou a ser uma concepção totalmente humana a partir da mudança da noção de Lei natural.
Dessa redução antropológica da lei, ele menciona a “evolução” da força e legitimidade política do povo para exercer a soberania onde “a lei se reduz a uma mera convenção de uma sociedade organizando a si mesma.”
A soberania, dessa forma, num regime democrático, é exercida pelo povo que a delega a seus representantes.
As legislações e decisões judiciais (na forma de ativismo judicial), assim, devem estar de acordo com a suposta vontade da maioria e a legitimam.
Rèmi Brague demonstra que isso funciona como uma pressão da sociedade sobre si mesma.
Afirma o eminente filósofo:
“Nossas sociedades modernas se consideram democráticas. Este adjetivo assumiu um sentido diferente do que tinha na Grécia antiga: o tema da força(kratos) passa agora a ser o povo todo e não apenas um clube de machos não escravos: na essência, a força exercida mudou de natureza. O povo herdou a soberania reivindicada na Idade média pelos Papas, depois na aurora dos tempos modernos pelos reis dando-lhe uma extensão universal: ele[o povo] é a única fonte de legitimidade política. E revela a tendência de se tornar fonte de todo valor ético. A lei se reduz a uma mera convenção de uma sociedade organizando a si mesma. O termo autonomia assume um sentido inédito para designar essa situação.”
E continua:
“…as sociedades modernas vivem como se exercessem sobre si mesmas uma pressão que tende a identificar o que é do que deve ser. Essa pressão suave se revela talvez mais TIRÂNICA do que nunca, e a prova disso é o caráter central assumido pela ideia de normalidade. A norma, como regra do direito, e, antes de qualquer coisa, segundo a etimologia(norma) do retilíneo, torna-se o “normal”: a descrição e a valorização coincidindo nela. A sociedade defende essa norma exibindo um sistema de disciplina com o qual se confunde”(Do livro: “A Lei de Deus. História Filosófica de uma Aliança”)
Para os representantes da maioria que formulam e aplicam legislações e ativistas judiciais o que interessa, então, é o seguinte tipo de valoração: a vontade da maioria e a liberdade sem limites.
O que temos, dessa forma, é a absolutização da democracia como um valor em si e que não se submete a qualquer outro valor. É, portanto, a única fonte ética.
Por isso mesmo, dizia Eliot:
“Quando um termo passa a ser tão universalmente santificado quanto “democracia” agora o é, começo a imaginar se ele significa alguma coisa, já que significa tantas: talvez ele tenha chegado à posição de um Imperador Merovíngio, e onde quer que seja invocado, começa-se a buscar o Mordomo do Paço”(Do livro “A ideia de uma sociedade cristã”).
Então, Legislações democráticas ou o ativismo judicial, nas democracias, permitem matar e praticar atos moralmente detestáveis.
Podemos coligir diversos exemplos que vão da eutanásia ao aborto; do suicídio assistido à moção para permitir necrofilia e incesto.
Na Inglaterra, recentemente, uma juíza ordenou a prática do aborto mesmo contra a vontade da mãe.
A legislação democrática permite e o julgador decide pela morte.
De mais a mais, a face totalitária da democracia, através de seus agentes, persegue, censura e pune aqueles que, por consciência, não concordam com suas legislações e decisões.
P.S. * Demos ênfase, nesse pequeno ensaio, à face totalitária da democracia no que concerne aos direitos humanos daqueles que defendem a inviolabilidade e dignidade da vida humana fundadas numa ética cósmico-realista, na Lei natural, na religião e que vêm sendo derrotados e perseguidos em vários países democráticos.
Mas nada impede que, por esse mesmo raciocínio, bandidos poderosos, oligarcas finaceiros e políticos corruptos se beneficiem do ativismo judicial e de legislação democrática desonesta, perseguindo e punindo aqueles que se oponham a esse estado de coisas.
** A expressão “democracia totalitária”, já citada por nós nesse blog, é do historiador Christopher Dawson.
***Quando nos referimos a representantes da maioria que pressionam/influenciam a sociedade e levam à democracia a uma espécie de totalitarismo, temos em vista as mais variadas formas que podem ser: partidos políticos, ONGs, associações, Lobbies e, num sentindo mais amplo e filosófico, “no compartilhamento subjetivo de vontades”, conforme ensina Jürgen Habermas.
Para mais textos sobre o tema, clique aqui.
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