Criminalização da opinião no Brasil ?
Criminalização da opinião no Brasil ?
Percebe-se no Brasil, recentemente, um movimento de criminalização da opinião, em especial vindo do poder legislativo federal. Falei em outro post do PL 1429/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, e hoje abordarei outro projeto de lei, desta vez do Senado Federal, que tem a mesma ementa: “Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”.
O projeto de Lei nº 2630, de 2020, que tramita no Senado Federal, no art. 1º, afirma que a lei estabelecerá “normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos”.
O art. 3º do PL 2630/2020 tem os seguintes objetivos:
Art. 3º A Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência Digital na Internet tem como objetivos:
I – o fortalecimento do processo democrático por meio do combate à desinformação e do fomento à diversidade de informações na internet no Brasil;II – a busca por maior transparência sobre conteúdos pagos disponibilizados para o usuário;
III – desencorajar o uso de contas inautênticas para disseminar desinformação nas aplicações de internet.
E o que é desinformação para o PL 2630/2020? A definição está contida no art. 4º, II, com a seguinte redação:
II – desinformação: conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia.
Definição extremamente ampla, servindo de guarda-chuva para abarcar qualquer posicionamento do provedor de aplicação, ou do grupo econômico proprietário do provedor de aplicação. Ou seja, pela redação, quem ditará o que é desinformação será o provedor de aplicação. Isso é extremamente perigoso, pois cria a figura do censor, que poderá eliminar a publicação de acordo com o seu critério.
O PL 1429/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, também carrega o mesmo perigo.
Na Seção III, intitulado “Das Medidas contra a desinformação”, apresenta quais medidas devem ser tomadas pelos provedores de aplicação. No art. 9º, caput, do PL 2630/2020, há a previsão da obrigação dos provedores de aplicação de tomar as “medidas necessárias para proteger a sociedade contra a disseminação de desinformação por meio de seus serviços”.
E quais são as medidas necessárias? Essa medidas ficam ao critério do provedor? Peca, de forma intencional, o PL 2630/2020, pela falta de precisão nos seus termos, quando afirma que os provedores têm de tomar as medidas necessárias. Pela leitura do art. 9º, caput, não há limitação, parecendo que o legislador quer atribuir um enorme poder de verificação e de combate à desinformação aos provedores, o que é extremamente perigoso e coloca em risco fatal a liberdade de manifestação do pensamento.
É extremamente perigoso uma legislação colocar um poder/dever a uma pessoa, quer física ou jurídica, para classificar quais informações são válidas e quais são “desinformações”.
E o projeto não para por aí. No art. 10 menciona o que são consideradas boas práticas para a proteção da sociedade contra a desinformação:
Art. 10. Consideram-se boas práticas para proteção da sociedade contra a
desinformação:
I – o uso de verificações provenientes dos verificadores de fatos independentes com ênfase nos fatos;II – desabilitar os recursos de transmissão do conteúdo desinformativo para mais de um usuário por vez, quando aplicável;
III – rotular o conteúdo desinformativo como tal;
IV – interromper imediatamente a promoção paga ou a promoção gratuita artificial do conteúdo, seja por mecanismo de recomendação ou outros mecanismos de ampliação de alcance do conteúdo na plataforma.
V – assegurar o envio da informação verificada a todos os usuários alcançados pelo conteúdo desde sua publicação.
No art. 13 o PL 2630/2020 estabelece o número máximo de pessoas por grupo (máximo de 256 membros) e o limite de número (mensagem a no máximo cinco usuários ou grupos) de encaminhamentos, em flagrante desrespeito constitucional à liberdade de manifestação do pensamento e de reunião. Vale frisar que a internet é a nova praça pública, sendo uma violência à liberdade individual a limitação de reunião e de disseminação da opinião no espaço digital.
Está evidente que o PL 2630/2020 não vem para proteger o usuário da internet das famigeradas desinformações, mas sim para tachar o usuário de desinformante e, com isso, censurá-lo. Na prática, instituirá um instrumento perigoso de censura de quem ousar expor a sua opinião na internet: website, redes sociais, plataformas de mensageria.
Importante frisar que o projeto de lei acima analisado confere poderes a uma entidade não estatal para verificar se uma mensagem/opinião é “desinformação” ou não, aplicando a penalidade de retirada da opinião publicada e considerada “desinformação” sem direito à ampla defesa e ao devido processo legal. Ou seja, o processo de caracterização da desinformação é unilateral, sem garantir ao usuário o direito de defesa.
Reitero a minha opinião aqui sobre esse tipo de projeto de lei. Não há necessidade de lei para verificar a veracidade ou não de mensagem postada na internet, pois isso descamba para a censura, o que incompatível com o estado democrático de direito.
Além disso, como verificar opinião? Existe opinião verdadeira ou falsa? É claro que não. Todo mundo tem direito a ter a própria opinião, mesmo que esta opinião não coincida com a aceita em determinados grupos sociais. Isso é democracia. E com esse tipo de projeto de lei essa liberdade estará em grande risco.
E não só isso. Muito mais efetivo e seguro do que projetos de lei com o objetivo do PL 2630/2020 é o acesso ao Poder Judiciário quando alguém se sentir lesado por mensagens e/ou postagens realizadas na internet, pois se atua de forma pontual, em cima do problema, buscando no Judiciário a solução para cada lesão, e não buscando uma “proteção” ampla e genérica contra desinformação, entregando tal “competência”, poder, aos provedores.
Para ler sobre o PL 1429/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, clique aqui.
Recent Comments
Odilon Rocha
Um absurdo, uma excrescência que nem sequer deveria existir como PL. Claro, estamos em uma democracia. O mesmo, no entanto, estranha e inexplicavelmente, se contrapõe ao estado democrático de direito e à liberdade de expressão, pilares fundamentais de um regime democrático, como o próprio nome diz, governo do povo.
Sob qualquer pretexto, retirar a possibilidade de manifestação do livre pensamento é solapar os alicerces da fundação democrática.
Se há uma Justiça verdadeira e forte, séria e competente, que se recorra à mesma para os casos julgados pertinentes. Fora disso, o pretendido projeto de lei esconde, entre seus artigos obscuros e considerações vagas, sem sentido, a censura e o cerceamento de opiniões. Portanto, trata-se de um projeto antidemocrático em toda a sua extensão.
Finalmente, cabe perguntar aos proponentes de tamanha desfaçatez se, por ventura, pensaram (livremente) quem vai verificar o verificador?
guedesebraga
Projeto de lei realmente perigoso.
Luiz Guedes
Excelente pergunta aos proponentes do projeto.
Eurico Monteiro
Lamentável essa situação em que vivemos, podemos falar qualquer coisa de igrejas( católica e evangélica), das africanas não, exército, polícia, mas experimenta falar do judiciário (principalmente STF), minorias dentre outros… acabou o sossego, vai tomar processo até o resto da vida….
guedesebraga
Verdade. Vivemos um contínuo processo de censura e perseguição de quem ousa falar de forma divergente. E querem retirar o que restou da nossa liberdade de expressão, limitando a internet. Na democracia, temos de ficar sempre vigilantes e fazer o nosso papel de cidadão.
Liberdade de expressão e Tech Tyranny. O que as plataformas digitais estão fazendo? - Guedes & Pires Braga Advocacia
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