Existe greve geral?
Diante da paralisação do dia 14 de junho de 2019, algumas pessoas me perguntaram se aquele tipo de manifestação poderia ser considerado greve. Pergunta relevante e do interesse de pessoas de vários segmentos da sociedade.
O mote principal contido nas chamadas para a manifestação aludida era o seguinte: greve geral contra a reforma da previdência.
No Brasil o direito de greve é previsto na Constituição Federal, no art. 9º, caput, com a seguinte redação:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
A regra que regulamenta o direito constitucional é a Lei nº 7.783/1989, que expressa no art. 1º que:
Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.
Interessante observar que a lei que dispõe sobre o direito de greve prevê que é facultada a cessação coletiva de trabalho se frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral.
Desta forma, pela leitura dos primeiros artigos da Lei nº 7.783/89, percebe-se de forma clara que são necessários os seguintes sujeitos nessa relação jurídica: entidade patronal (ou empresa) e entidade dos empregados (ou empregados de determinada empresa.
Além disso, a entidade patronal ou os empregadores diretamente interessados devem ser notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação (art. 3º, parágrafo único).
A greve, movimento legítimo, tem as suas finalidades, que, de acordo com a doutrina laboral, são as seguintes: econômica, profissional, sindical e estritamente política.
Não irei aqui definir cada uma das finalidades das greves acima indicadas, pois não é o objeto deste post a descrição das referidas finalidades. O foco será a greve estritamente política, já que foi esse tipo o objeto das perguntas que recebi. Então, o que seria uma greve estritamente política?
A greve com finalidade estritamente política é aquela que não possui nenhuma base profissional, visando protestar contra atos do governo e/ou de órgãos do poder público.
A pergunta que me foi formulada por algumas pessoas pode ser reformulada da seguinte forma: São lícitas as greves com finalidade estritamente políticas no Brasil?
O Tribunal Superior do Trabalho – TST, ao julgar a greve deflagrada contra a privatização de empresas do sistema Eletrobras, considerou ilegal tal movimento. O Ministro Ives Gandra Martins Filho assim se manifestou: “Não cabe discutirmos greve quando não está em jogo um conflito entre empresa e trabalhadores, mas entre trabalhadores e governo”[1]
Assim sendo, de acordo com o entendimento do TST, que julgou ilegal a greve deflagrada contra a privatização de empresas do sistema Eletrobras, é necessário que os interesses dos trabalhadores sejam oponíveis ao empregador. No caso da greve contra a reforma da previdência, ocorrida em 14/06/2019, não se pode opor tal reivindicação ao empregador (ou aos empregadores), haja vista que a reforma da previdência está sendo feita pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional), através de uma Proposta de Emenda Constitucional encaminhada pelo Poder Executivo Federal.
Assim sendo, à luz da doutrina, da lei e da jurisprudência nacionais, não é possível enquadrar a movimentação ocorrida no dia 14/06/2019 como greve. Pode-se enquadrar tal movimento em protestos políticos e sociais, inseridos no direito constitucional da liberdade de expressão e de manifestação de pensamento.
E assim como a greve, tais movimentos políticos e sociais devem respeitar os direitos fundamentais de terceiros, entre eles o direito fundamental de ir e vir, de trabalhar, de incolumidade física, entre outros.
Uma decorrência lógica da aplicação da legislação e da jurisprudência do TST ao caso da “greve geral” é que é possível o desconto do dia não trabalhado.
Pelo exposto, é claro que não se pode chamar tal movimento de greve, pois não existe no ordenamento jurídico greve estritamente política, quando não se está em discussão um conflito entre empresa e trabalhadores, mas entre trabalhadores e governo, como bem delimitado pelo Ministro Ives Gandra Martins Filho (do TST) no julgamento do processo nº 1000418-66.2018.5.00.0000.
Os sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais utilizam o vocábulo “greve geral” por questão de retórica, pois se trata de uma movimentação de cunho político, com o intuito de justificar tal movimentação perante a sociedade, com o intuito de convencer mais pessoas a aderirem. Mas, pelo aspecto jurídico, não há como enquadrar tal movimento como greve, pelos motivos acima explicitados.
[1] http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/24793939
Feliz 2023 Desejamos a todos um Feliz 2023, repleto de saúde, paz e realizações. Aproveitamos…
Uma refexão para o Natal. Anjos na guerra: da Batalha de Mons à Guerra na…
Por que querem tanto controlar as redes sociais ? O ser humano, por ser um…
Democracia na modernidade e a aristocracia política. Depois que Chesterton fez a análise perfeita sobre…
Ocultismo e religiosidade na política. Não é de hoje que o ocultismo e a religiosidade…
O Duplipensar de políticos favoráveis ao aborto e as consequências disso. Desvendado por George Orwell…
This website uses cookies.
View Comments
A greve, além de não estar legalmente enquadrada, foi bem mais um arremedo de articulação política. Um fracasso.
Sinaliza que algo está mudando. Há um certo despertamento na população, que começa a enxergar um embuste por trás dessas " manifestações ".