MP da liberdade econômica | Parte II
MP da liberdade econômica – Parte II
Dando continuidade à análise sucinta da MP 881/2019, abordarei o artigo 4º, que trata das garantias da livre inciativa.
Em um estado democrático de direito muito se fala em liberdade. E a liberdade tem mais de um viés, não se limitando ao aspecto da liberdade de expressão da opinião, que, sem dúvida, é de suma importância. Também importante é o aspecto econômico da liberdade, que permite ao indivíduo o exercício da livre iniciativa. O texto constitucional prevê a liberdade de iniciativa no art. 170, parágrafo único, que tem a seguinte redação:
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Conforme a dicção legal, é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos. O próprio texto constitucional remete à competência infraconstitucional a previsão das exceções, ou seja, em quais casos o indivíduo precisa de autorização de órgãos públicos.
Neste aspecto, a Carta Magna parece ter atribuído ao indivíduo a liberdade de inciativa. Como todo direito, a liberdade não é plena, pois pode sofrer limitações pela lei, por previsão da própria constituição. E o legislador infraconstitucional exerceu esse poder conferido pela Carta Política da forma mais ampla possível, pois há no ordenamento jurídico brasileiros várias limitações à liberdade de iniciativa, obrigando o indivíduo a requerer autorizações (licenças, alvarás etc.) de órgãos públicos para poder exercer determinadas atividades econômicas.
A MP 881/2019, no art. 4º, versa sobre o dever da administração pública de evitar o abuso do poder regulatório. Há nove incisos acerca das denominadas garantias de livre iniciativa, a saber:
- Inciso I – evitar o abuso do poder regulatório que vise a criação de reserva de mercado ao favorecer grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;
- Inciso II – “redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado”. Um dos efeitos negativos da regulação, a proibição ou imposição de condições que tornem praticamente impossível o ingresso de novos competidores no mercado nacional, inviabilizando a concorrência, o que é prejudicial os usuários e/ou consumidores;
- Inciso III – “criar privilégio exclusivo para determinado segmento econômico, que não seja acessível aos demais segmentos”. Importante esse inciso, pois proíbe o direcionamento de privilégios (ex.: subsídios ou outra modalidade) para determinado segmento econômico. Esses privilégios costumam solapar o princípio da livre concorrência previsto no art. 170, inciso IV, da Constituição Federal;
- Inciso IV – “exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado”. Prevê que as especificações técnicas exigidas sejam aquelas necessárias para o alcance da finalidade da norma, evitando exigências inúteis e, por conseguinte, onerosas para o particular;
- Inciso V – “redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco”. Interessante o escopo desse inciso, pois tenta adequar as exigências reguladoras ao novo mercado gerado pela quarta revolução tecnológica. Procura eliminar enunciados que impeçam ou retardem a inovação e adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios. É um conceito ainda a ser trabalhado pela doutrina brasileira e a ser implementado na prática jurídica diária. Encontrar o ponto ideal regulatório para atender à finalidade deste inciso não é tarefa fácil, mas precisa ser enfrentado por todos os interessados no tema;
- Inciso VI – “aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios”. Para o aumento dos custos de transação, será necessária a demonstração de benefícios. Interessante medida que visa a demonstração da relação custo/benefício da regulação;
- Inciso VII – “criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço, ou atividade profissional, inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros”. É vedada a criação de demanda artificial ou compulsória de produto, serviço, ou atividade profissional, incluindo nessa vedação o uso de cartórios, registros ou cadastros. Essa medida parece visar a diminuição da burocracia e dos custos de transação relativos ao cumprimento de determinadas obrigações pelas empresas e empreendedores. Seria interessante a previsão de critérios objetivos para a observância desse inciso;
- Inciso VIII – “introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas”. Percebe-se a preocupação com a manutenção da liberdade econômica das empresas e empreendedores com a previsão de proibição à introdução de limites à livre formação de sociedade empresariais ou de atividades econômicas;
- Inciso IX – “restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei”. Esse inciso prevê o princípio da liberdade da publicidade e propaganda de setores econômicos. A limitação ao uso e ao exercício da publicidade e da propaganda dar-se-á por lei, com as hipóteses expressamente previstas em lei.
Quem não tem prática no dia a dia dos negócios e da advocacia, talvez não conheça o emaranhado de normas e de exigências burocráticas para se abrir uma empresa, bem como para poder colocá-la em funcionamento.
Não defendo a extinção da regulação jurídica. O Estado precisa continuara regular as atividades humanas, sendo a atividade econômica uma espécie daquela. Porém, a regulação estatal precisa ser pensada para ser eficiente e não impedir ou atrapalhar o exercício de atividades econômicas que poderão gerar riquezas para a nação, gerando, com isso, empregos, mormente em um período difícil por que passa o Brasil, com cerca de 13 milhões de desempregados.
A regulação precisa se adequar à velocidade e exigências do Século XXI, no qual os negócios são realizados muitas vezes à distância, com o uso da internet ou de outra tecnologia. A demora na concessão de determinada licença para uma empresa ou empreendedor poder colocar o seu produto no mercado pode significar a perda da oportunidade, gerando danos não só à empresa, mas também à coletividade que não se beneficia com a geração de empregos e renda locais.
Outro aspecto que deve ser combatido na regulação é o seu uso por determinados setores políticos e/ou econômicos para capturar a regulação em benefício próprio, impedindo ou dificultando sobremaneira o ingresso de novos competidores e, com isso, utilizam-se da regulação para impedir a competição, em flagrante prejuízo para os usuários e/ou consumidores de determinado produto ou serviço prestado por poucas empresas no território nacional.
Realizei um estudo sobre a captura regulatória. Quem tiver interesse no tema pode clicar aqui para ter acesso ao livro de minha autoria.
A iniciativa é bem-vinda e espera-se que essa medida provisória seja convertida em lei. É claro que serão necessários mais estudos e o acompanhamento da eficácia dessa Medida Provisória no ordenamento jurídico brasileiro e na praxis jurídica e burocrática estatal, para se verificar se trará uma contribuição efetiva para que o Brasil possa efetivamente garantir a liberdade econômica de seus cidadãos e das empresas que aqui funcionam. Se sim, o horizonte poderá ser positivo, com a geração de empregos e renda e, por conseguinte, o desenvolvimento socioeconômico brasileiro.
Para ler sobre a MP da liberdade econômica, parte I, clique aqui.
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