O aborto é um direito?

O aborto é um direito?

O aborto é um direito?

         Correu, em 11 de agosto de 2020, a notícia de que a Assembleia Nacional da França teria aprovado o aborto em qualquer momento até o nascimento do feto. Essa notícia, como não podia ser diferente, gerou diversos comentários.

         Em 17 de agosto do corrente ano outra notícia de aborto, desta vez no Brasil, tomou conta dos noticiários e das redes sociais. Desta vez o aborto foi realizado em uma menina de 10 (dez) anos de idade.

         Juridicamente, no território brasileiro, existe a figura do aborto legal, previsto no art. 128, incisos I e II do Código Penal. Trata-se de excludente de ilicitude o previsto no art. 128 e seus incisos, apesar da redação do texto legal dar a impressão de se tratar de excludente de punibilidade. Assim, o fato não é típico, ou seja, não é crime. Eis a redação do mencionado artigo:

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:  (Vide ADPF 54)

        Aborto necessário

        I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

        Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

        II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal

         Trata-se de formas excepcionais, nas quais o legislador brasileiro optou (opção política) por não considerar como crime o aborto praticado por médico em duas situações: inciso I, denominado de aborto necessário, autorizado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante; inciso II, denominado de aborto em caso de gravidez resultante de estupro.

         A redação do art. 128 do Código Penal e seus incisos é bastante clara, não deixando muita margem para interpretação.

         Porém, não gostaria de mencionar apenas o aspecto jurídico, pois este não desperta muitos debates na doutrina pátria. Quero analisar algumas premissas lógicas dos defensores do aborto por qualquer motivo e em qualquer fase da gestação.

         Os defensores da prática do aborto como meio de controle de natalidade, ao invés de defender essa ideia de forma direta, preferem defendê-la de forma transversal, ou seja, empregando termos que parecem ser mais fáceis de acatamento pela sociedade.

         Passo a analisar alguns dos argumentos dessa estratégia linguística dos que defendem o aborto como direito das mulheres e querem a sua ampliação legal.

         Sobre o “meu corpo, minhas regras”. Várias defensoras do aborto afirmam que possuem liberdade plena sobre os próprios corpos. Assim sendo, como o feto estaria dentro do seu corpo, pertenceria à gestante a decisão de levar a gravidez ao termo natural ou de interrompê-la quando desejasse.

         Essa afirmação é uma falácia, pois o feto não é parte integrante do corpo da gestante. O feto não é um apêndice do corpo da mulher, é um ser específico, essencialmente distinto do corpo onde está sendo gestado, tem vida própria (sistemas biológicos próprios). A natureza optou, na espécie humana, que a gestão fosse interna, no interior do corpo da mulher, local no qual será nutrido até estar pronto para a vida extrauterina. Porém, isso não significa que o feto é parte integrante do corpo da mulher, pois é um ser distinto do ser que o está gestando.

         Eis o outro argumento dos defensores do aborto: a mulher tem liberdade sexual e faz parte da liberdade sexual o direito ao aborto[1]. Também não se sustenta essa afirmação. Sim, a mulher tem liberdade sexual no mundo ocidental, isso é um fato. O homem também a tem. Porém, o que é liberdade sexual? Para se definir o conteúdo dessa liberdade, deve-se iniciar a hermenêutica pela análise das palavras “liberdade” e “sexual, depois da expressão “liberdade sexual”.

         No dicionário, liberdade é “nível de independência absoluto e legal de um indivíduo, de uma cultura, povo ou nação, sendo nomeado como modelo (padrão ideal)”[2]. A palavra sexual tem o seguinte sentido: “que se pode referir ao sexo ou a este pertencer”[3].

         Logo, a expressão “liberdade sexual” tem o sentido denotativo de liberdade, autonomia ou independência de alguém em matéria sexual, liberdade da prática dos atos sexuais, de poder escolher o parceiro da sua vontade, independente de sexo ou de outras condicionantes.

         O feto é, sem dúvida, o resultado de ato sexual, com a junção das células reprodutoras masculina e feminina, originando, dessa união, uma nova célula, denominada de ovo ou zigoto, que sofrerá inúmeras divisões celulares até a formação completa do feto.

         Após a concepção, com a nidação do ovo na parede uterina (em regra), não se pode mais falar em ato sexual, apesar do embrião ser o resultado direto do ato sexual[4] dos seus genitores. Aqui, todos os demais atos do processo gestacional têm autonomia em relação ao ato inicial que gerou a primeira célula do embrião.

         Assim, dentro da lógica básica, não é possível inserir o aborto como um direito decorrente da liberdade sexual da mulher, pois o processo da gestação, apesar de ter tido origem a partir do ato sexual, é um processo diverso, não estando inserido no primeiro. Logo, sustentar isso é ilógico, na melhor das hipóteses, para não dizer insano.

         Há outros argumentos sustentados pelos defensores do aborto como direito, porém parecem ser decorrentes do acima mencionado, razão pela qual me limitei aos supra comentados.

         Não adentro aqui nos aspectos morais e religiosos da questão, apesar desses argumentos serem legítimos, devendo estar presentes para um debate mais amplo. Limitei-me a algumas questões lógicas para demonstrar a quem afirma que sustenta o direito ao aborto indiscriminado por questão “lógica” que não há lógica nessas argumentações, tratando-se mais de defesa ideológica do que lógica, pois, se a lógica for empregada na análise do tema, todos aqueles argumentos supra elencados caem por terra.

         Ademais, voltando ao aspecto jurídico, parece uma contradição dentro do ordenamento jurídico brasileiro (visto aqui como sistema fechado), a solução dada pelo Supremo Tribunal Federal – STF na ADPF 54, que considerou não ser crime o aborto de anencéfalo.

         E por que digo isso? Porque o Código Civil de 2002, no art. 2º, põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro[5]. Em sendo assim, a Constituição Federal resguarda o direito à vida das pessoas e, em uma interpretação sistemática com o art. 2º do CC/2002, o ordenamento jurídico brasileiro protege os direitos do nascituro, apesar de só vir a adquirir personalidade jurídica com o nascimento com vida (CC/02, art. 2º, primeira parte).

         Por questão de segurança jurídica e em obediência ao próprio texto constitucional, que prevê o processo legislativo para a modificação da legislação, não deveria ser possível ao STF, em uma ADPF, considerar como fato atípico o aborto de feto anencefálico quando o art. 128, incisos I e II, do CP, não prevê essa hipótese. Penso que o STF entrou no campo de atribuição exclusiva do Congresso Nacional, sem ter legitimidade para tanto. E esse ativismo judicial traz muitas incertezas ao sistema jurídico, pois os cidadãos ficam sem saber como a Suprema Corte irá julgar os casos difíceis e o pior, legisla como se fosse essa sua função precípua prevista na CF/88.

         Independente dos argumentos favoráveis ao aborto como suposto direito das mulheres, há um fato insuperável. O feto é um ser vivo, e a depender do estágio da gestação, tem o seu sistema nervoso constituído o que lhe dá aptidão para sentir dores.

          A interrupção da gravidez é um crime terrível, pois a vítima (feto) não tem capacidade de se defender. Se a retirada da vida ocorrer contra uma pessoa nascida (homicídio), com requintes de crueldade ou sem possibilidade de defesa do ofendido, o Código Penal brasileiro qualifica esse fato como tipo penal no art. 121, §2º, III e/ou IV. Porém, se esse assassinato ocorrer dentro do útero, os defensores do aborto como liberdade da mulher não consideram esse fato como insidioso ou cruel, como se jogos de palavras fossem suficientes para mudar a realidade, isto é, retirar a qualidade de humano do feto.

         Muitos defendem o aborto de feto humano sem ter encarado a realidade de frente, sem observar o que realmente acontece ao corpo do feto durante o procedimento abortivo. Penso ser importante visualizar um pouco desse procedimento para que a realidade seja conhecida de todos, em especial daquelas pessoas que defendem o aborto como direito irrestrito (como meio de controle populacional ou de controle de natalidade). Assim, procure na internet um vídeo de aborto e assista como realmente ele é. Após, veja se você continua ainda a defender tal prática como controle de natalidade ou liberdade da mulher.

         Espero que esse texto possa servir de ponto de reflexão sobre esse ponto tão grave e que costuma vir à tona na nossa sociedade com certa frequência, na esperança que as pessoas pensem por si próprias e não fiquem apenas a repetir slogans, sem realmente compreender a amplitude do problema.


[1] Aqui é possível inserir o argumento de autonomia reprodutiva feminina, suposto direito de escolha da mulher.

[2] DICIO. Dicionário Online de Português. Disponível em: <<https://www.dicio.com.br/liberdade/>>. Acesso em 18 de agosto de 2020.

[3] Ibidem. Disponível em: << https://www.dicio.com.br/sexual/>>. Acesso em 18 de agosto de 2020.

[4] Refiro-me ao meio de concepção natural através do sexo, e não sobre a possibilidade de reprodução artificial (assexuada).

[5] De acordo com o dicionário Aulete Digital, nascituro é “Diz-se do ser humano já concebido, com nascimento dado como certo, sm”. Disponível em: << http://www.aulete.com.br/nascituro>>. Acesso em 18 de agosto de 2020.

Para ler sobre “A importância da grande literatura e da lógica na identificação da falsa notícia e dos maus governantes: pandemia, aborto, fake news e a perversa contradição”, clique aqui.

Para ler sobre “OMS e a recomendação da morte seletiva. Pandemia e aborto.”, clique aqui.

About Post Author

Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Aprovado no concurso de professor substituto do DCJ Santa Rita da UFPB (2018). Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas : direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Professor substituto das disciplinas Direito Administrativo I e II e Direito Agrário até outubro de 2018. Recebeu prêmio de Iniciação à Docência 2018 pela orientação no trabalho de seus monitores, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação/UFPB. Doutorando em direito na UFPB.

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