O Estado pode obrigar a população a tomar vacina?

O Estado pode obrigar a população a tomar vacina?

O Estado pode obrigar a população a tomar vacina?

            O ano de 2020 realmente não está sendo um ano fácil para a população mundial, de forma particular para a brasileira, que, além de ter de lidar com as dificuldades costumeiras (infraestrutura precária, serviços de saúde problemáticos etc.), precisa enfrentar a insegurança gerada pela guerra de informações e por decisões governamentais supostamente fundadas na ciência em relação ao enfrentamento da pandemia do COVID-19.

            Nos últimos dias temos ouvido várias notícias sobre as vacinas, bem como sobre a vontade do governador de São Paulo de tornar obrigatória a vacinação contra o Sars-Cov-2. O Estado pode obrigar a população a tomar a vacina contra o COVID-19?

            Essa não é uma questão de simples resposta. Os defensores da vacinação obrigatória defendem a tese de que o bem coletivo (a saúde pública) está acima do direito individual de decidir tomar ou não a vacina. Porém, o poder público pode sempre utilizar o fundamento da saúde pública para obrigar a população?

            Acredito que não, devendo haver o preenchimento dos seguintes requisitos: segurança e eficácia.

            Se o poder público tiver o viés autoritário, defenderá a obrigatoriedade da vacinação em massa, independente da comprovação da segurança e da eficácia da vacina.

            Qual o tempo médio para a pesquisa e elaboração de uma vacina segura e eficaz? Como é de imaginar, a pesquisa e o desenvolvimento de uma vacina não é um processo fácil e rápido. O tempo médio para o desenvolvimento seguro de uma vacina é de 15 anos, de acordo com empresas farmacêuticas. Além do desafio técnico [várias fases (3 fases) de pesquisa e desenvolvimento], há os desafios econômicos e comerciais para a produção e distribuição da vacina para a população mundial.

            A AIDS, também causada por vírus e que já atingiu milhões de pessoas desde a década de 1980, não tem vacina até a presente data. A vacina da dengue tem dificuldades relacionadas com a segurança, tendo causado mais mal do que a própria doença. A ANVISA mudou a indicação da vacina da dengue, recomendando que quem nunca foi infectado pelo vírus causador da doença não pode receber a vacina, pois pacientes que nunca foram contaminados pela dengue têm um risco maior de desenvolver quadros mais graves se tomarem a vacina e forem picados, depois, pelo mosquito aedes egipt contaminado pelo vírus.

            Vale destacar que são mais de 47 projetos em andamento no mundo todo, e, por razões evidentes (questão temporal), todos estão em fase inicial de desenvolvimento, segundo a Fiocruz.

            Recentemente, agora no mês de outubro de 2020, foi noticiada a morte de um voluntário (cobaia humana) brasileiro em teste de vacina de Oxford. Isso é um sinal de que, ao contrário do que noticiado na mídia, a fabricação de uma vacina segura e eficaz para uso em humano está ainda longe.

            Se é verdadeira a afirmação de que em nome da saúde pública é possível a obrigatoriedade da vacinação em massa da população, ainda mais o é que ninguém seja submetido, de forma obrigatória, a uma vacina sem comprovação de segurança e de eficácia.

            Isto é, não é legítimo que o poder público utilize da violência estatal para obrigar as pessoas a receber uma vacina sem comprovação de segurança e eficácia. Obrigar alguém a tomar uma vacina nessas circunstâncias é um ato autoritário, não admitido em um estado democrático de direito. Mesmo sendo em tese segura a vacina, ela não o é para todos, pois pode haver casos de pessoas que tenham intolerância à vacina, não podendo essas serem obrigadas a tomá-la em prejuízo da própria saúde em nome do suposto bem público (saúde pública).

            Se isso é verdade, por que o presidente da república sancionou a Lei nº 13.979, de 06/20/2020, que torna obrigatória a vacinação no art. 3º, III, d? Os motivos que o levaram a sancionar esta lei não sei informar, sendo a melhor hipótese a ignorância sobre o exato teor da lei.

            A República Federativa do Brasil, de acordo com a sua constituição, é um estado democrático de direito, não tendo espaço para posturas autoritárias de governantes, em especial em uma área tão sensível, que é a saúde e a vida da população.

            De acordo com as normas e princípios constitucionais, não é possível obrigar alguém a ser submetido a um tratamento que possa gerar mais riscos à saúde do que não se submeter ao mesmo. Mostre um artigo da CF/88 que autorize isso? Não há. Um exemplo comprovado de que a vacina pode causar mais risco ao paciente do que a ausência de vacinação é a vacina da dengue. E observe que a vacina da dengue já está em desenvolvimento há vários anos.

            Assim, o art. 3º, inciso III, alínea a, da Lei nº 13.979/2020, deve ser interpretado com cautela. O ideal seria a declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, da alínea “d” acima mencionada, ou, pelo menos, a realização de uma interpretação conforme para resguardar/proteger o cidadão de receber vacina ineficaz e insegura, que possa gerar mais riscos para a saúde do que a doença propriamente dita. Mesmo sendo supostamente segura e eficaz, importante analisar caso a caso, pois, em relação a algumas vacinas (exemplo: pessoas que têm alergia a ovo não podem tomar determinada vacina contra influenza), determinadas pessoas não podem tomá-la.

            A vacina não está pronta e, pela expressão da opinião de vários especialistas, não é possível desenvolver e fabricar uma vacina segura e eficaz em pouquíssimo tempo. Isto é, a promessa de uma vacina segura e eficaz para o Sars-covid-2 em tão pouco tempo é um engodo e um grave risco à saúde das pessoas. E ninguém pode ser obrigado a se submeter a um tratamento de saúde cuja eficácia não está comprovada e, o pior, que pode trazer mais riscos à saúde e à vida do que se expor à contaminação natural do vírus. Vale lembrar o caso da vacina de dengue, acima mencionada, que gera mais riscos para quem tomar a vacina.

            Sou favorável à facultatividade da vacinação, pois, em última análise, quem arcará com o grande custo da vacinação, ou da não vacinação, é o indivíduo, ou seja, a pessoa, o cidadão. Quem falecerá em decorrência de um efeito colateral da vacina é o cidadão, e não a coletividade. Destarte, o maior interessado na manutenção da sua saúde e da sua vida é o próprio cidadão, logo a decisão de vacinar-se ou não deveria ser atribuída exclusivamente a ele.

            A população deve estar ciente de um fato incontroverso, que as autoridades públicas parecem estar ocultando: nem tão cedo haverá uma vacina segura e eficaz para o Sars-Cov-2. E pode ser que nunca haja. Quem disser o contrário estará iludido ou mentindo.

            Assim, diante dessa realidade, não se pode esperar por uma promessa de vacina para que a vida da população volte ao mais próximo da normalidade. Não digo que não se deve tomar as medidas de cautela. Ao contrário, defendo que as medidas de cautela sejam compatíveis com o retorno da população saudável ao trabalho e às atividades educacionais.

            É preciso e salutar a informação adequada da população, sem alardes, sem pânico, com a orientação para a adoção de medidas de higiene pessoal e dos ambientes físicos. Seria de salutar importância a adoção de políticas e de medidas de proteção dos grupos de risco, com a possibilidade de isolamento social dessa população (grupos de risco), e o incentivo de retorno imediato ao trabalho e ao estudo das pessoas saudáveis, que não estão inseridas em nenhum grupo de risco.

            Um eventual agravamento na situação econômica do país, e por conseguinte, das famílias, em decorrência de medidas que impactam a produção de riqueza da nação, será um agravante, em todas as áreas, imposto à sociedade.

            A moderação no comportamento, nas ações e reações, é uma virtude que deveria ser incentivada a todos, em especial aos integrantes do poder público, e não o pânico e reações calcadas no medo.

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Publicado no blog Guedes & Braga

About Post Author

Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Aprovado no concurso de professor substituto do DCJ Santa Rita da UFPB (2018). Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas : direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Professor substituto das disciplinas Direito Administrativo I e II e Direito Agrário até outubro de 2018. Recebeu prêmio de Iniciação à Docência 2018 pela orientação no trabalho de seus monitores, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação/UFPB. Doutorando em direito na UFPB.

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