Panorama da intervenção judicial na normalidade do funcionamento dos aplicativos de comunicação pela internet

Panorama da intervenção judicial na normalidade do funcionamento dos aplicativos de comunicação pela internet

 Panorama da intervenção judicial na normalidade do funcionamento dos aplicativos de comunicação pela internet

O ano de 2016 está sendo pródigo de decisões judiciais proferidas em ações penais com o objetivo de suspender o funcionamento do aplicativo de comunicação mais usado no Brasil. O aplicativo WhatsApp já foi alvo de pelo menos três suspensões neste ano, deixando milhões de brasileiros sem comunicação entre si através do mencionado aplicativo. Decisões judiciais desse jaez ultrapassam as partes envolvidas na ação judicial, atingindo os seus efeitos concretos pessoas físicas e jurídicas estranhas ao processo. O fato social, como costuma ocorrer, antecipou-se ao direito, que geralmente responde tardiamente às mudanças sociais que exigem novas respostas para problemas igualmente novos.

O entendimento da questão da suspensão do funcionamento do WhatsApp, que pode atingir outros aplicativos similares, passa pela hermenêutica jurídica, podendo, essa controvérsia, em um futuro próximo, ser considerada um hard case a exigir solução definitiva pelo STF através do controle concentrado de constitucionalidade, através do qual firmará a hermenêutica constitucional sobre os dispositivos legais e constitucionais pertinentes à matéria, criando um parâmetro com um grau maior de segurança e de estabilidade, evitando, com isso, o atual nível de insegurança jurídica entre os usuários do serviço. Está em jogo um aparente conflito de normas constitucionais, de um lado a liberdade de expressão e de comunicação, e do outro a necessidade de acesso a informações trocadas entre pessoas acusadas de cometimento de crime pelo Ministério Público através de solicitação de diligências ao Poder Judiciário no curso de ação penal.

O art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal, afirma que “é livre a expressão da atividade intelectual […] e de comunicação, independente de censura ou licença”. Importante frisar que esse dispositivo tem o status de cláusula pétrea, que não pode ser alterado sequer por Emenda Constitucional. A Lei nº 12.965/2014, conhecida como “Marco Civil da Internet”, foi promulgada com o propósito de estabelecer “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”. O art. 3º, I, da mencionada lei, estabeleceu os princípios para o uso da Internet em todo o país, tendo como um deles a “garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal”. O art. 3º, V, do mesmo diploma legal, apresenta a preocupação com a “preservação da estabilidade, segurança, funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas”.

Percebe-se que tanto a Constituição Federal quanto a Lei nº 12.965/2014 possuem conceitos que ainda precisam ser preenchidos pelo Poder Judiciário. Cada juiz, dentro do seu poder de livre convencimento motivado, pode, dentro de critérios razoáveis, preencher o conteúdo dos conceitos ainda em aberto e determinar, ou não, a suspensão de serviços de comunicação similares ao WhatsApp. Isso gera insegurança jurídica enorme, pois, dos milhares de juízes espalhados por todo o território nacional, cada um pode chegar a conclusões diferentes acerca do alcance e do conteúdo tanto da norma constitucional quanto da Lei do Marco Civil da Internet. Mais suspensões dos serviços do WhatsApp devem surgir nos próximos meses, atestando a necessidade de uma parametrização da matéria pela Corte Constitucional.

No dia 19/07/2016, o Presidente do STF, o Ministro Ricardo Lewandowski, deferiu, com fundamento no poder geral de cautela, liminar para suspender a decisão proferida no Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias/RJ, restabelecendo imediatamente o serviço de mensagens do aplicativo WhatsApp. Como natural no exame perfunctório em sede de medida cautelar, não foi analisada a matéria técnica de alta complexidade que desafia ainda uma maior compreensão para o julgamento de mérito pelo STF. Não obstante isso, na sua decisão, o Ministro Presidente do STF entendeu “que não se mostra razoável permitir que o ato impugnado prospere, quando mais não seja por gerar insegurança jurídica entre os usuários do serviço, ao deixar milhões de brasileiros sem comunicação entre si” (ADPF 403 MC/SE – STF). Afirmou, ainda, o Ministro, que a medida se mostrou desproporcional ao motivo que lhe deu causa.

Tema recente, atual, controverso e aberto aos debates acerca da matéria jurídica (conflito entre normas e entre princípios constitucionais) e dos aspectos da Tecnologia da Informação, em especial sobre a possibilidade de se ter acesso às informações determinadas pela autoridade judicial sem a necessidade de suspensão do serviço em todo o território nacional. Pois, a suspensão, na forma como vem sendo feita até o presente momento, pune aquelas pessoas que em nada concorreram para o ilícito penal debatido nos processos penais de onde advieram as diversas ordens judiciais de suspensão, mostrando-se, tal medida, além de desproporcional, inócua para o alcance do fim pretendido, qual seja, o acesso às informações trocadas entre pessoas que figuram em processo criminal.

Interessante acompanhar o debate sobre a questão da suspensão dos serviços do WhatsApp, ou de aplicativo similar, para ver qual solução será encontrada pelo colegiado do STF à matéria, quando determinará a interpretação a ser dada aos dispositivos constitucionais e infralegais aplicáveis à espécie. Interpretação essa que vinculará os demais órgãos judiciais e a administração pública.

Publicado no Jornal Contraponto em 22/07/2016.

About Post Author

Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Aprovado no concurso de professor substituto do DCJ Santa Rita da UFPB (2018). Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas : direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Professor substituto das disciplinas Direito Administrativo I e II e Direito Agrário até outubro de 2018. Recebeu prêmio de Iniciação à Docência 2018 pela orientação no trabalho de seus monitores, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação/UFPB. Doutorando em direito na UFPB.

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