Catão de Útica na Divina Comédia. Liberdade, morte e redenção.

Catão de Útica na Divina Comédia. Liberdade, morte e redenção.

Ordem político-social nenhuma pode salvar a alma de um indivíduo. Ela deve garantir a liberdade e o bem estar do cidadão para que este possa exercer sua vida em plenitude, praticando a virtude e indo ao máximo em suas aptidões.

Mas, por si só, a prática da virtude, que eleva o indivíduo ao ápice da moral também não garante a salvação.

Expliquemos: é que não basta ser virtuoso para alcançar a redenção. A virtude é um caminho, não o caminho. Por exemplo, o homem deve perseverar no ser e não se matar. Isto é uma obrigação moral e pode ser também uma grande virtude, quando uma pessoa enfrenta com coragem e esperança uma doença terminal. Paradoxalmente, pode dar a sua vida para salvar a de outro e prova de amor maior não há, como ensinou o Cristo (A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo e as obras dela decorrente são o caminho salvífico).

Mas, se uma ordem político- social, que garante a liberdade, está para ser sequestrada por uma tirania e uma pessoa se opõe a essa perversão, tirando a própria vida em protesto para não ser refém de um tirano e virar um símbolo da liberdade que ecoará para sempre, aí estamos diante de algo que foge aos conceitos.

Assim fez Catão de Útica se opondo a Júlio César, que estava pronto para acabar com as liberdades republicanas e impor uma tirania.

Dante, na Divina Comédia, de maneira surpreendente e digna, o colocou como o Guardião do Purgatório (Canto I):

“Vi um velho solitário cujo rosto tal o respeito suscitar ordena, qual nem de filho a pai seria proposto”

Longa a barba, e de pelos brancos plena, portava, e do cabelo, semelhante ao peito lhe descia dupla melena

As quatro santas luzes tão brilhante davam-lhe adorno ao rosto reverendo, que o via como estivesse ao sol diante”

Dante explica o motivo de Catão, este grande representante do bom paganismo, estar na dignidade do Purgatório:

“Graciosamente então em sua vinda aceita: liberdade ele busca, que é tão cara quão sabe-o quem por ela a vida enjeita.

Tu o sabes, pois a ti não foi amara, lá em Útica, a morte onde a veste deixaste que ao grã dia será tão clara”.

No nosso tempo, em que uma ridícula tirania sanitária resiste e ainda se espalha pelo planeta, a luta para ser livre também ganha contornos heroicos e o árduo caminho para conquistar a liberdade pode ser o passaporte para a redenção.

P.S.: Catão de Útica ou Marco Pórcio Catão, o Jovem. Célebre político romano. Além de Dante, encontramos as primeiras referências históricas a ele em Plutarco, Salústio e Cícero.

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Artigo publicado no blog Guedes & Braga

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