A cooperação do direito com a barbárie
A cooperação do direito com a barbárie
Em 14 de novembro de 2021, noticiou-se que a execução de um indígena em razão da etnia não caracterizaria crime.
A decisão foi do próprio Ministério Público Federal brasileiro que homologou o arquivamento através da 2a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Procedimento No. 1.23.008.000394/295).
O crime, no entanto, aconteceu com requintes de crueldade, onde dois índios mataram e esquartejaram outro índio em razão deste ter praticado magia negra (pajelança braba), e que isso, supostamente, teria causado o afogamento de outro membro da tribo.
O MPF usou, para compor a mencionada decisão, entre outras coisas, os princípios de autodeterminação dos povos e do autorreconhecimento.
Além disso, foi utilizado um parecer técnico antropológico que reconheceu essa prática homicida indígena como fazendo parte de sua “organização social, costumes, língua crenças e tradições”, de acordo com o art. 231 da CF.
Embora tenha uma validade formal, essa decisão contraria a essência do direito, sua inviolabilidade e valor.
A inviolabilidade do direito consiste em estabelecer, conforme as leis eterna e natural, uma ordem ideal que deve ser refletida na lei positiva e deve ser obedecida por todos.
O objeto do direito, por sua vez, é algo que pode se cumprir ou exigir de outro (no caso em questão, poder-se-ia exigir a proibição da magia negra e a interdição do suposto “feiticeiro”, não a morte sacrificial dele por causa de uma superstição disseminada na tribo).
Contudo, houve uma sobreposição da questão étnica e suas regras em prejuízo do que constitui realmente o direito.
Este caso era para ter sido interpretado conforme a lei natural, pois desta extraímos que viver em sociedade é uma inclinação natural e dela decorrem o dever de não ofender o próximo, de conservação da pessoa e da preservação da sociedade.
Embora tenha havido uma ofensa por meio da “pajelança braba”, o assassinato brutal do praticante de “magia negra” foge ao bom senso e à lei natural.
Então, o MPF, ao não denunciar os assassinos e arquivar o processo, absolutizou os princípios e o parecer técnico, não levando em consideração o valor da vida humana como um bem supremo a ser resguardado.
O direito à vida, direito universal e inviolável, foi relegado a um segundo plano em detrimento de uma concepção técnico-jurídico- principiológica absolutizada.
Não difere muito esse tipo de decisão de outras que também ultrapassaram, na esfera judicial, a essência do direito e instituíram ou confirmaram o direito de matar, a exemplo do aborto, da eutanásia, etc.
É que o direito quando se afasta de sua essência (lei natural, inviolabilidade, etc), acaba cooperando com a barbárie e até um crime hediondo, como esse que foi cometido numa aldeia, é aparentemente transformado em algo normal e aceitável.
Leia também:
O problema da verdade e da inviolabilidade do direito em Dante Alighieri. A questão da eubolia.
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