De quem é a Amazônia ?
Meados de agosto de 2019 e as queimadas ocorridas na região amazônica chamam a atenção de chefes de vários países do mundo, em especial do presidente francês, que em manifestação no Twitter afirmou que a Amazônia era a casa dele, que as queimadas eram um caso de crise internacional e que iria levar a questão para a reunião do G7 nos dias 24 e 25 de agosto.
O presidente da França tem legitimidade para tal afirmação?
Antes que algum partidário de qualquer viés ideológico venha a fazer acusações indevidas, informo que não tenho filiação a qualquer partido político e que faço o presente texto fundado na legitimidade que tenho por ser brasileiro. E, como cidadão brasileiro, possuo legitimidade para opinar sobre os problemas brasileiros. Simples assim.
Diante disso, é evidente que o presidente da França não tem legitimidade para fazer a afirmação publicada em sua conta do Twitter. Ele afirmou que as queimadas ocorreram em território brasileiro. Em não sendo as queimadas em território francês, o presidente daquele país não tem legitimidade para propor qualquer medida de retaliação à nação brasileira. Em termos de diplomacia, o presidente francês foi imprudente e impertinente. Se ele acha que as queimadas possam ser uma ameaça, ele que tentasse o canal diplomático, através de sua chancelaria, para entrar em contato com o presidente brasileiro e oferecer ajuda para combater os incêndios florestais. Porém, preferiu o barulho da internet.
O segundo ponto que gostaria de ressaltar é a arrogância do presidente francês, que parece pensar que está a comandar um país ainda imperialista, pensando que pode se dirigir aos países da América Latina como a França se dirigia às suas colônias. Tanto quanto a França, o Brasil tem o direito de autodeterminação. E esse direito está expresso na Constituição Federal de 1988. A Carta Magna brasileira, no artigo 4º, afirma que o Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I – independência nacional;
[…]III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
[…]
Para o presente caso, elenco e utilizo os princípios da independência nacional, da autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da igualdade entre os Estados, da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos.
A Constituição Federal determina os princípios que pautam a conduta do Brasil nas relações internacionais. Assim como o Brasil deve respeitar tais princípios em relação a outras nações, tem o direito de exigir dos outros países a observância de tais princípios, em especial diante do princípio de direito internacional público da reciprocidade de tratamento entre as nações.
Destarte, qualquer nação deve respeitar o direito do Brasil (melhor dizendo, do povo brasileiro) de autodeterminação e de independência nacional, que, em razão da soberania, tem o direito de gerir os próprios interesses, mormente dentro dos limites territoriais.
Soberania, segundo o francês Jean Bodin[1], “é o poder absoluto e perpétuo de um Estado-nação”. Parece que o presidente Macron precisa ler seu compatriota. Não é de hoje que se tenta relativizar a soberania, o que é extremamente perigoso para qualquer nação. Immanuel Kant, na obra A Paz Perpétua, trabalha no sentido de relativizar o conceito de soberania, que norteou os estados modernos desde as suas constituições. Não sou adepto das teorias que relativizam a soberania nacional, com a transferência de parcela dessa soberania a um ente supranacional, a exemplo do que ocorre, em certa medida, na União Europeia.
Sou adepto da manutenção do conceito clássico de soberania, no qual o ente político (Nação) não conhece superior na ordem externa (internacional) nem igual na ordem interna, consoante Jean Bodin[2].
Frise-se que a adoção do conceito clássico de soberania não impede a cooperação entre as nações. Não é incompatível com o comércio internacional e com a cooperação internacional. A manutenção da soberania é um atributo essencial na manutenção da independência nacional, servindo de suporte jurídico-político para que o país possa rechaçar qualquer ameaça à sua soberania. A renúncia a esse poder, mesmo que parcial, é perigoso e deixa o país e seus cidadãos à mercê da vontade política de outro ente (ente supranacional), o que não é recomendável para aquelas nações que entendem ser importante a independência nacional.
Diante do exposto, a conclusão é lógica: o Brasil, como país soberano, tem a independência e o direito de se autodeterminar e de proteger os seus interesses e os dos seus cidadãos em seu território. A Amazônia brasileira é do Brasil, não é da humanidade[3]. E como tal não deve aceitar declarações sobre como deve gerir as florestas que cobrem o território nacional.
P.S.: Quanto ao aspecto ambiental, é claro que defendo a preservação da natureza. E o Brasil tem uma legislação ambiental considerada bastante avançada no mundo, com vistas à proteção dos recursos ambientais para as futuras gerações.
Se o problema das queimadas ocorre no território brasileiro, cabe às autoridades nacionais brasileiras a adoção de medidas para a apuração das causas das queimadas e, em se constatando serem elas criminosas, promover os devidos processos judiciais para o julgamento e punição dos responsáveis. E, ainda com fundamento na soberania, cabe aos demais países oferecer ao Brasil ajuda e cooperação, e não uma crítica rasa e descabida, em total confronto com as boas práticas da diplomacia.
P.S2.: Nesse artigo de opinião limito-me ao aspecto jurídico, não entrando
na seara especulativa de eventual interesse subjacente à manifestação do
presidente francês.
[1] BODIN, Jean (2011[1576]). Os seis livros da república. Tradução de José Carlos Orsi Morel. São Paulo: Ícone. 195 páginas. ISBN 978-85-274-1131-8
[2] Bonavides, Paulo (2012). Ciência Política 19 ed. São Paulo: Malheiros. ISBN 8539201356
[3] O que é humanidade? Conceito que não tem consenso entre os teóricos. Ao contrário de nação, cujo conceito clássico está consolidado há vários anos. Assim sendo, entre a adoção do conceito de humanidade (não consensual) e o de nação, fico, por segurança jurídico-política, com o segundo.
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Excelente exposição. É exatamente isso. O Presidente Francês queimou o filme. E feio!
Assunto antigo que acompanho desde a minha juventude, quando me reunião com o meu pai para conversarmos sobre essas questões. Resquícios de um país que se deixou ser totalmente pautado de fora, em que governos esquerdistas assinaram vários acordos e tratados que engessaram a nossa soberania.
Agora, com um governo preocupado - de verdade! - em recuperar o que foi sorrateira e levianamente manipulado, as coisas começam a mudar e, principalmente, incomodar interesses escusos.
Para a manutenção da independência nacional, fundamental adotar o conceito rígido de soberania. Além disso, fazer comércio internacional. Porém, para tanto, mister aumentar a produtividade brasileira.