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Passaporte sanitário suspenso na cidade do Rio de Janeiro

Passaporte sanitário suspenso na cidade do Rio de Janeiro

No dia 29 de setembro de 2021, o Desembargador Paulo Rangel, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJRJ, deferiu medida liminar em habeas corpus coletivo para suspender os efeitos do Decreto do Prefeito Municipal fluminense.

Entendeu, o ilustre Desembargador Paulo Rangel, que a “carteira de vacinação” é uma afronta ao direito à liberdade de locomoção, não só da impetrante, mas de qualquer cidadão que pretenda circular pela cidade do Rio de Janeiro.

Afirmou o magistrado que é possível a impetração de habeas corpus coletivo para discutir pretensões de natureza individual homogênea, já tendo o STF se manifestado nesse sentido quando julgou o habeas corpus 188.820-DF, que deferiu aos presidiários a ordem de habeas corpus em decorrência da pandemia do COVID-19. E ainda afirmou:

Ora, seria um contra sensu dizer que se admite habeas corpus coletivo quando se tratar de presidiários, mas não se admite quando se tratar de pessoas livres e cumpridoras dos seus deveres que vivem de acordo com a lei. Absurdo incomensurável que dispensa maiores esclarecimentos.

Reconheceu, na decisão liminar, que todos os cidadãos do município do Rio de Janeiro estão impedidos de circular pelos locais citados no decreto se não estiverem vacinados. Vou além, não só os cidadãos residentes daquele municípios são atingidos pelo mencionado decreto municipal, mas todos os cidadãos brasileiros que precisarem circular por aquele município.

Fixou o Desembargador relator do HC a questão a ser debatida judicialmente:

A questão é a possibilidade ou não de um decreto municipal impedir a circulação de pessoas pelas ruas e estabelecimentos sejam eles públicos e/ou privados, academias, eventos, shoppings, cinemas, teatros, lojas, piscinas, e outros estabelecimentos da cidade do Rio de Janeiro, salvo se possuírem o chamado “passaporte da vacina” ou passaporte sanitário.

Afirma, o julgador, que o decreto divide a sociedade em dois grupos: o dos vacinados e o dos não vacinados. Os integrantes desse último grupo estarão impedidos de circular livremente pelos locais mencionados no decreto municipal. De acordo com o relator:

O Prefeito está dizendo quem vai andar ou não pelas ruas: somente os vacinados. E os não vacinados? Estes não podem circular pela cidade. Estão com sua liberdade de locomoção cerceada. Estão marcados, rotulados, presos em suas residências. E por mais incrível que pareça tudo isso através de um decreto.

Menciona, ainda, na decisão, a hipocrisia contida no decreto: “A hipocrisia chega a tal ponto de não se perceber que o transporte público (BRT) anda lotado de gente. Metrô, barcas, ônibus idem”.

O julgador aborda um aspecto de suma importância em um estado democrático de direito: a liberdade. Relembra alguns fatos históricos recentes vergonhosos, nos quais havia a escravidão:

Se no passado existiu a marcação a fero e fogo dos escravos e gados através do ferrete ou ferro em brasas hoje é a carteira da vacinação que separa a sociedade. O tempo passa, mas as práticas abusivas, ilegais e retrógradas são as mesmas. O que muda são os personagens e o tempo.

Com acerto, afirma que atualmente o que separará a sociedade é a “carteira de vacinação”, lembrando que as práticas abusivas ocorrem ao longo da história humana, mudando apenas os personagens e o tempo. E prossegue em relação à aludida carteira da seguinte forma:

A carteira de vacinação é um ato que estigmatiza as pessoas criando uma marca depreciativa e impedindo-as de circularem pelas ruas livremente, com nítido objetivo de controle social. O propósito é criar uma regra não admitida juridicamente, mas que visa marcar o indivíduo constituindo uma meta-regra que está associada ao estigma do NÃO VACINADO.

E de forma acertada afirma que se trata de uma ditadura sanitária: “É uma ditadura sanitária. O Decreto quer controlar as pessoas e dizer, tiranicamente, quem anda e não anda pelas ruas da idade”.

Relembrou outos momentos históricos nos quais foram criados outras espécies de estigmatizados:

Outrora, já vi algo idêntico quando trataram a mulher casada como relativamente incapaz (Código Civil de 1916 – art. 6º, II); os negros como raça inferior na voz de NINA RODRIGUES que enfatizou tal absurdo plenamente aceito à sociedade da época “influência negra há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”3; os judeus também foram perseguidos; os negros escravizados, tudo pelo medo que se incutia na mente das pessoas da época, tratando essas pessoas como incapazes, perigosas e nocivas à sociedade.

Lembrou ainda outro fato lamentável na história, a tirania imposta por Hitler aos povos judeu e cigano:

Outro que sabia bem incutir no povo o medo dos inimigos foi HITLER, que através da propaganda nazista, incutiu na população o medo dos judeus e dos ciganos. Era preciso aniquilá-los para se defender.

Menciona, na sua decisão, como o medo é utilizado como instrumento de dominação, de controle, por parte do ditador contra a sociedade:

Todo ditador quer controlar a sociedade e sempre usa um discurso bondoso para cercear sua liberdade de locomoção. PIETRO VERRI, na obra Observações sobre a Tortura, relata como o Estado usou o medo para legitimar suas ações arbitrárias e violentas, em 1630.
A obra de VERRI denuncia e condena a utilização, pelo governo, de métodos de investigação brutais, injustos e desprovidos de qualquer racionalidade.

Ainda sobre o medo como instrumento:

O medo, portanto, não é um sentimento novo, nem é descoberta do século XXI. É algo que persegue a civilização humana desde a antiguidade, passando pela idade média, pela era moderna, e chegando ao mundo contemporâneo, cada qual com seus fantasmas e mitos inerentes à época.

Pela leitura da decisão, percebe-se que a ditadura, seja ela de qual matiz político for, é implementada em etapas, aos poucos, um passo por vez, para que a população não perceba o desiderato verdadeiro do tirano. E faz o seguinte alerta:

Próximo passo no Brasil é insuflar os vacinados a denunciar e reagir contra os não vacinados acusando-os de serem vetores de transmissão do vírus, mas não esqueçam que vacinados também estão contraindo a doença.

O julgador ainda lembra a eleição de bodes expiatórios, ou da eleição de “culpados”, para responder pelo mal que supostamente determinados grupos são responsáveis, de acordo com a narrativa política de cada época:

A fome, a guerra, a visão da peste como punição, trazendo como contrapartida a eleição de culpados (judeus, leprosos, estrangeiros, marginais), a caça aos feiticeiros e bruxas (a caça às Bruxas de Salem na década de 1690, hoje crianças assassinas),6 tudo sempre em nome de um medo coletivo que se teve dos inimigos escolhidos pelo sistema da época.7 Tudo sempre muito bem engendrado, politicamente.

E conclui que os inimigos do Sèculo XXI são os não vacinados, de acordo com a política adotada por vários estados:

Quem é o novo inimigo de hoje em pleno Século XXI? OS NÃO VACINADOS. Querem obrigar as pessoas a se vacinar e em nome dessa bondade cerceiam liberdades públicas, prendem pessoas nas ruas, nas praças, fecham praias, estabelecem lockdown. Nunca imaginei que fosse assistir aos abusos que assisti.

Infelizmente, tudo indica que o Século XXI será conhecido na história como o século da aniquilação das liberdades, conforme já escrevi em outra oportunidade. (Para ler O Século XXI como supressor de direitos fundamentais?, clique aqui)

Na decisão liminar, lembra, com propriedade, que a liberdade de locomoção só pode ser restringida nos exatos limites da Constituição Federal, a saber:

O direito à liberdade de locomoção, previsto na Constituição da República (art. 5º, XV) somente pode ser restringido nos exatos limites da própria Constituição. É a Constituição quem diz quando a liberdade de locomoção pode ser cerceada:
a) Em caso de prisão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente;
b) Estado de Defesa (art. 136 da CR); e,
c) Estado de Sítio (art. 137 da CR).

E faz uma observação pertinente, que deve ser levada a todos os prefeitos e governadores brasileiros:

Nota-se que o próprio maior mandatário do País tem limitações prevista na Constituição da República, mas o Prefeito pensa que pode determinar o fechamento da cidade e exigir que as pessoas somente possam circular se estiverem vacinadas.
Nem uma Emenda Constitucional pode restringir a liberdade de locomoção, in vrbis: Art. 60. (…)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais (sem grifos no original).

E afirma, em relação à liberdade de locomoção:

E um dos direitos e garantias fundamentais é exatamente a liberdade de locomoção. Não é possível que ninguém, absolutamente ninguém, informou isso ao senhor prefeito: DECRETO NÃO PODE IMPEDIR AS PESSOAS DE CIRCULAREM LIVREMENTE PELAS RUAS DA CIDADE SE NÃO ESTIVEREM VACINADAS. DECRETO NÃO LIMITA A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DE QUEM QUER QUE SEJA QUE NÃO ESTIVER VACINADO. NÃO ESTAMOS EM ESTADO DE DEFESA NEM EM ESTADO DE SÍTIO. E AINDA ASSIM, SE ESTIVÉSSEMOS, SÓ ATRAVÉS DE ATO PRESIDENCIAL NOS EXATOS LIMITES DO QUE DIZ A CONTITUIÇÃO.

E de forma bastante apropriada, utilizando das palavras mais precisas para descrever o ato do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, qualifica bem o ato de ditadura sanitária. Realmente, não é outra coisa a não ser isso. Quem não enxergar isso, ou é uma pessoa totalmente alienada, ou é mal intencionada. Eis o trecho da decisão que fala sobre a referida ditadura:

É a ditadura sanitária, fruto de uma insanidade politica que pensa que a sociedade pode ser presa em casa caso não queira se vacinar. INACREDITAVEL. Em pleno século XXI.

Um outro ponto importante é abordado na decisão e abarca o princípio de autodeterminação do indivíduo:

Se o cidadão quer ou não se vacinar é um problema seu que se encontra amparado pelo princípio da autodeterminação e pelo princípio da legalidade, mas jamais um DECRETO MUNICIPAL pode impedir a liberdade de locomoção de quem quer que seja por não estar vacinado.

Deferiu a liminar à cidadã que buscou amparo no Judiciário contra o ato ilegal e abusivo do Poder Executivo da cidade do Rio de Janeiro, concedendo, ainda, de ofício, o habeas corpus coletivo, determinando a comunicação urgente da decisão às autoridades públicas daquela localidade.

Decisões como essa ainda deixam florescer a esperança no ressurgimento do estado democrático de direito no Brasil. Pois, entre tantos atos ilegais e abusivos de várias autoridades públicas, ainda há cidadãos, que investidos em cargos públicos, estão dispostos a fazer valer os princípios e direitos constitucionais tão caros à democracia, a exemplo da liberdade.

Não se engane, uma vez perdida a liberdade, total ou parcialmente, a sua recuperação virá com muita dor e sofrimento da população e, você, caro leitor, lembre-se, também é uma dessa pessoas que sofrerá com a violência do Leviatã, caso a sociedade permita que parte do aparato estatal brasileiro rasgue a constituição federal e institua a ditadura sanitária no nosso país.

Não deixe que o medo inoculado por parte da imprensa e de parcela das autoridades públicas escureça a sua visão racional dos fatos. Pare, respire, informe-se adequadamente e repudie toda e qualquer tentativa estatal de supressão da liberdade. Essa não tem preço e uma vez perdida poderá levar gerações para a sua recuperação.

Recomendo a leitura de decisão proferida pela Juíza da Comarca de Gaspar, no Estado de Santa Catarina, que também fez valer o direito constitucional da liberdade. Clique aqui para ler sobre a decisão mencionada.

Espero que decisões dessa envergadura e coragem (coragem para demonstrar para uma sociedade refém do medo quais valores democráticos devem ser sempre defendidos: a liberdade de escolha, a liberdade de locomoção, a liberdade de exercer trabalho remunerado etc.) possam inspirar outros julgadores a trilhar o mesmo caminho, o caminho da dignidade da pessoa humana fundamentado na liberdade.

Sobre o direito de ser informado sobre medicamentos, imunizantes, e o direito de escolha do cidadão acerca da inoculação em seu corpo de imunizante e outros fármacos, recomendo a leitura do seguinte texto: A liberdade sobreviverá aos governantes do Século XXI? O “combate” ao COVID-19 como estratégia para a eliminação das liberdades. Nesse texto você encontrará diplomas internacionais sobre bioética e o direito ao livre consentimento.

Leia também:

Há ainda esperança no mundo jurídico em relação à manutenção dos direitos fundamentais em período de pandemia?

O “Passaporte da imunidade” e o “mecanismo do bode expiatório” de René Girard

A polêmica de Luc Montagnier sobre a vacinação e as lições da “História da medicina” de William Bynum. A necessidade da desconfiança em tempos de pandemia.

A liberdade sobreviverá aos governantes do Século XXI? O “combate” ao COVID-19 como estratégia para a eliminação das liberdades

Clique aqui para ler a íntegra da decisão liminar do Des. Paulo Rangel.

Publicao no blog Guedes & Braga

Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Aprovado no concurso de professor substituto do DCJ Santa Rita da UFPB (2018). Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas : direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Professor substituto das disciplinas Direito Administrativo I e II e Direito Agrário até outubro de 2018. Recebeu prêmio de Iniciação à Docência 2018 pela orientação no trabalho de seus monitores, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação/UFPB. Doutorando em direito na UFPB.

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  • Ante o atual quadro de ditadura sanitária, em que direitos constitucionais básicos estão sendo sonegados e a liberdade individual sacrificada no altar da religião estatal, cumpre refletir sobre o como agem indivíduos quando autorizados por normas esdrúxulas (resoluções, portarias, decretos, leis, etc) a trair aqueles de quem se diziam amigos e semelhantes.

    Essas normas que induzem as pessoas a se tornarem "dedo duro" são vergonhosas não somente para quem as cumpre denunciando o seu próximo de um suposto "crime sanitário", mas principalmente para quem as elaborou. Elas expõem o viés totalitário e manipulador dos que se acham detentores de algum tipo de poder e que, por isso, supõem ter o direito de determinar os rumos da vida alheia, colocando-se como deuses ou, ao menos, como os guardiões supremos do bem comum e da higidez social.

    Esse incentivo ao denuncismo é o mesmo velho truque usado pelos partidos totalitários nas ditaduras instaladas mundo afora em várias épocas da história (destaque para nazistas e comunistas).

    Seu mecanismo: incentiva-se o sujeito a denunciar o vizinho e, para não doer na sua consciência e não ficar mal visto pelos outros, dá-se a entender que o sujeito está agindo em prol do "bem comum". Algum tempo depois, esse mesmo alcaguete perderá alguns de seus próprios direitos e se vier reclamar, será denunciado por outros vizinhos, reforçando assim um ciclo vicioso terrivel.

    Todos são psicologicamente induzidos a participar de uma experiência de engenharia social verdadeiramente diabólica, que faz aflorar a face maligna escondida cinicamente em cada ser humano, mal disfarçada sob uma camada de verniz de civilização e interesse coletivo.

    Detalhe, o alcaguete, achando que sua denuncia atrairá a simpatia do dono do poder, comete um erro fatal: aproxima-se demais daquele que o terá como próximo alvo!

    O estímulo ao denuncismo é uma maneira muito explorada pelos manipuladores sociais, desde pequenos grupos a até populações inteiras, cuja eficácia deriva do fato de fazer aflorar nas pessoas essa falha de caráter latente sem que elas precisem fazer um mísero exame de consciência individual. Como a autorização para entregar o vizinho é "coletiva" e, em tese, "todos estão fazendo", então o indivíduo sente-se liberado para agir conforme sua natureza pecaminosa.

    Esse mecanismo é tão eficaz que a maioria das pessoas ditas "boas" jamais supunha ser capaz de fazê-lo caso fossem instigadas a agir isolada e individualmente. A maioria dança em torno da fogueira conforme a música do demônio sanitarista, uma dança macabra, ora cheia de argumentos sutis e requintados, ora empunhando o grosseiro tacape da ameaça e da rotulação.

    Isso explica, por exemplo, como os alemães tão civilizados, evoluídos e de boa índole, entregavam alegremente à famigerada Gestapo seus vizinhos e amigos judeus, com os quais muitos conviviam amigavelmente desde a mais tenra infância.

    Se isso foi usado antes - e como funcionou bem! - por que não utilizar agora, não é mesmo?

    O raciocino é:

    Ora bolas! Vale a pena expurgar teu vizinho e colega da vida social e até mesmo negar-lhe o acesso básico ao pão de cada dia, sem risco de recriminação alheia ou da própria consciência, afinal se a culpa da denuncia vil não está naquele que a faz mas na própria vítima, que problema tem?!

    Ó tempore! Ó mores!

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