Privatização do setor elétrico brasileiro: venda de ativos de distribuidoras
Privatização do setor elétrico brasileiro: venda de ativos de distribuidoras
Mais de 20 (vinte) anos da Reforma da Administração Pública promovida no governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, volta à pauta a possibilidade de nova reforma na estrutura estatal brasileira. Nesse sentido, houve a publicação da denominada reforma trabalhista, cuja vigência inicia no próximo dia 11 de novembro, bem como tramita no Congresso Nacional a proposta da reforma previdenciária.
O governo do Presidente Michel Temer propõe a redução do tamanho do estado brasileiro através da privatização das empresas que compõem o setor energético e da concessão de serviços públicos.
No dia 9 de novembro foi publicado, no Diário Oficial da União, a Resolução tratando da venda dos ativos de seis distribuidoras de energia elétrica controladas pela Eletrobrás.
O Conselho do Programa de Parcerias de Investimento – CPPI, da Presidência da República, publicou, no Diário da União, a Resolução nº 20, de 8 de novembro de 2017, que aprova e define as regras básicas do processo de desestatização das seguintes distribuidoras: Amazonas Distribuidora, Eletroacre, Ceron (RO), Ceal (AL), Cepisa (PI) e Boa Vista (RR).A mencionada resolução prevê o direito dos empregados e aposentados das distribuidoras acima especificadas de adquirirem até 10% das ações. Prevê ainda a opção de revenda das ações adquiridas, após três anos, pelo valor desembolsado acrescido de 10%.
O processo de desestatização ocorre sob a gestão do BNDES e sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia (MME), nos termos do Decreto nº 8.893, de 1º de novembro de 2016. Tal decreto dispõe sobre os empreendimentos do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI que serão tratados como prioridade nacional nos setores de energia e de mineração.
O decreto acima referido, no art. 1º, incisos I a XI, qualifica como de prioridade nacional nos setores de energia e mineração diversos empreendimentos públicos federais. Na prioridade nacional nos setores de energia e de mineração está tanto a venda de ativos (privatização), quanto a concessão de serviço público (desestatização).
O artigo 2º designa o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES como o responsável pela execução e pelo acompanhamento do processo de desestatização das companhias concessionárias do serviço público de distribuição de energia elétrica elencadas nos incisos IV a IX do caput do art. 1º.
No Brasil o tema não é pacífico, encontrando defensores e opositores na sociedade brasileira. Os defensores do processo de desestatização afirmam que o formato de empresa estatal não é eficiente e altamente custoso para a sociedade, pois, em decorrência da baixa eficiência das empresas estatais, o custo do produto/serviço ofertado é elevado, deixando o país pouco competitivo.
Já os opositores da política de desestatização afirmam que o setor energético é estratégico para o desenvolvimento do país, sendo fundamental a exploração do setor pelas empresas estatais por questão de segurança nacional. O presente texto não comportaria a análise dessas duas posições, que demandaria um espaço maior para a análise. O intuito deste artigo é informar os interessados acerca da Resolução nº 20, de 8 de novembro de 2017 e fomentar o debate.
O Constituinte originário responsável pela Constituição Federal de 1988 fez uma opção clara sobre a adoção do formato de Estado Regulador. Antes da atual ordem constitucional, o viés de intervenção na economia era o direto, com o estado, através de suas empresas públicas, desenvolvendo diretamente atividades econômicas. Era o denominado Estado Interventor. No ocidente, a partir da década de 1970, o Estado começou a ser substituído pela iniciativa privada, permanecendo precipuamente com a atividade reguladora. O Brasil também entrou nessa tendência mundial.
Conforme dito acima, a CF/88 atribui, primordialmente, na área econômica, ao Estado brasileiro, o papel de regulador. O art. 173, caput, do texto constitucional, reflete essa opção do legislador constituinte, ao informar que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.
Isto demonstra que a regra formulada pela CF/88 é a atuação do Estado brasileiro como regulador, devendo atuar diretamente na exploração de atividade econômica como exceção, nos casos de imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, de acordo com definição prevista em lei.Desta forma, dentro dessa moldura constitucional, o Brasil tem adotado política de desestatização dos serviços públicos, através de concessões, bem como, dentro dessa estratégia, a venda de ativos estatais, ou seja, a privatização das empresas públicas que compõem a administração indireta.
Pelas peculiaridades brasileiras, é difícil dizer antecipadamente qual dos dois grupos tem razão em suas fundamentações e previsões acerca do futuro do setor, já que o ambiente político e legal brasileiro é complexo e difere dos outros países que adotaram estratégia similar de concessão dos serviços públicos.
Não se pode desprezar um componente importante na tomada de posição dos dois grupos: o interesse no setor. O grupo pró desestatização/privatização é formado pelo núcleo do governo, que necessita, pelo déficit existente nas contas públicas, intensificado nos últimos anos, de dinheiro dos investidores e, para tanto, precisa ofertar ativos atrativos. O grupo contra a desestatização/privatização é formado essencialmente pelos empregados e aposentados das empresas públicas objeto do Programa Nacional de Desestatização, que receiam a precarização das suas condições de trabalho e, com isso, a perda das garantias que o emprego público lhes assegura.
Em um estado democrático de direito é legítimo que cada grupo defenda os seus interesses. Porém, para o restante da população que não está diretamente ligada a um dos grupos acima mencionados, é difícil identificar até que ponto as análises divulgadas por cada grupo têm dados técnicos isentos, pois, como é de se esperar, cada setor apresentará apenas dados que se coadunem com as suas posições pré-estabelecidas.
Para trazer um pouco de luz ao debate, seria interessante que fossem publicados estudos de pesquisadores ou de entidades que não tivessem ligação direta ou indireta com qualquer dos dois grupos acima mencionados e a realização de debates efetivamente públicos, com a participação ativa de diversos setores da sociedade, tanto dos setores ligados à política, aos empregados das estatais, quanto dos consumidores.
Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>>. Acesso em: 09/11/2017. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 8.893, de 1º de novembro de 2016. Dispõe sobre os empreendimentos do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI que serão tratados como prioridade nacional nos setores de energia e de mineração. Disponível em: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8893.htm>>. Acesso em 9/11/2017. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo da economia. 3. ed. Rio de Janeiro:Editora Lumen Juris, 2003
P.S.: De forma simplificada foi adotada essa classificação, em dois grupos, que permite agrupar pessoas com o mesmo interesse: pró e contra a desestatização.
P.S.2: Desestatização, aqui adotada como a retirada do Estado de atividades constitucionalmente reservadas à iniciativa privada. P.S.3: Privatização, conceito aqui entendido como “a mera alienação de direitos que assegurem ao Poder Público, diretamente ou através de controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade. Privatiza-se o que não deve permanecer com o Estado, quer por violar o princípio da livre iniciativa (CF, art. 173), quer por contrariar o princípio da economicidade (CF, art. 70)” (SOUTO, 2003, p. 147).