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STJ decide que condomínios residenciais podem proibir aluguel através de plataformas digitais

STJ decide que condomínios residenciais podem proibir aluguel através de plataformas digitais

            A Quanta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu, por maioria de votos, no dia 20/04/2021, que os condomínios que prevejam expressamente a destinação residencial das unidades, os proprietários (ou possuidores) destas unidades não poderão alugá-las através de plataformas digitais.

            Essa decisão limita o direito de propriedade dos proprietários de apartamentos localizados em condomínios residenciais. O debate do uso da propriedade não é novo, tendo o ordenamento jurídico imposto limitações ao direito de propriedade ao longo do tempo. Porém, no presente caso, não está sendo a legislação a impor novo limite, mas sim a interpretação que o Poder Judiciário está fazendo dos contratos formalizados por intermédio de plataformas hospedadas na internet.

            Em alguns outros textos, já alertei para a dificuldade encontrada pelos negócios disruptivos em relação ao ordenamento jurídico, não só brasileiro, mas de outros países, a exemplo de Portugal. A dificuldade não reside apenas na legislação, mas também na forma como os tribunais estão interpretando os negócios jurídicos realizados através das plataformas digitais.

            As plataformas de intermediação de hospedagem, a exemplo do site Airbnb, desde que ganharam escala, encontram oposição de vários grupos, a exemplo do grupo hoteleiro. Essas plataformas de intermediação promovem a aproximação entre o proprietário do imóvel, ou daquele que possuir a posse direta, e permitem o aluguel por dia de imóveis, ou de partes deste. As plataformas não possuem o imóvel, apenas criam um market place que permite a aproximação entre o proprietário ou possuidor do imóvel e a pessoa que deseja realizar a locação.

            O relator do REsp 1819075, o ministro Luís Felipe Salomão, infelizmente foi voto vencido. Na minha opinião, o voto que melhor tratou da matéria foi o do relator, que conseguiu vislumbrar que o contrato firmado através das plataformas digitais equivale ao contrato por temporada.

            O relator foi feliz no enquadramento legal que fez do contrato firmado através das plataformas digitais. Realmente, trata-se de contrato de locação por temporada. O que mudou foi apenas o meio através do qual o contrato é firmado, pois são formalizados através de uma plataforma digital que aproxima, em um ambiente digital, o proprietário ou possuidor do imóvel da pessoa que pretende contratar a locação. A forma on line não altera a natureza do contrato firmado.

            Se o “problema” para o entendimento do contrato formalizado através da plataforma for a figura do intermediário (empresa da plataforma digital), as imobiliárias tradicionais também não poderiam mais intermediar os contratos de locação por temporada, pois o raciocínio, por congruência, deveria ser o mesmo adotado pela maioria da Quarta Turma do STJ acima mencionado.

            Porém, a maioria da Quarta Turma entendeu que não se tratava de um contrato de locação por temporada, mas de um contrato atípico de hospedagem, conforme será visto mais adiante.

            O cerne da questão é determinar qual a natureza jurídica do contrato firmado através das plataformas de hospedagem. É uma locação regulamentada pela Lei de Locações de imóveis urbanos? É um contrato de hospedagem, a exemplo dos firmados por hotéis e pousadas?

            Para o relator do processo, o ministro Luís Felipe Salomão, trata-se de um contrato de locação por temporada, regulado pela Lei nº 8.245/91 (arts. 48 a 50). Com essa qualificação jurídica, para o relator não é lícito ao condomínio proibir as locações por meio de plataformas digitais. Caso se permita que os condomínios proíbam as locações através de plataformas digitais, entendeu o relator que isso significaria uma violação ao direito de propriedade.

            Se a preocupação é com a segurança dos condôminos, hoje em dia há condutas que podem ser adotadas, a exemplo de cadastramento de pessoas na portaria, de acordo com o relator, que poderiam aumentar a segurança.

            Porém, o ministro relator foi vencido.

            De acordo com o ministro Raul Araújo, trata-se de um contrato atípico de hospedagem, resultante de a uma “nova modalidade, singela e inovadora”, que permite a hospedagem de pessoas sem vínculo entre si.

            Segundo ele, trata-se de um contrato atípico de hospedagem, que somente foi possível pelo uso da tecnologia da informação, o que gerou um modelo de negócio novo e inovador.

            O ministro Raul Araújo também afirmou que o contrato atípico de hospedagem firmado por intermédio de plataformas digitais não configura atividade ilícita. Esse ponto é importante, pois se insere em uma das regras de hermenêutica jurídica do direito privado, isto é, quando a lei não proíbe, a atividade é lícita e pode ser exercida pelos particulares.

            Em relação à limitação dos direitos de propriedade, o ministro Raul Araújo assim se manifestou:

Assim, o direito do proprietário condômino de usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos artigos 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/1964, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício

            Os demais integrantes da Quarta Turma do STJ seguiram o voto divergente do ministro Raul Araújo, entendendo que não se trata de um contrato de locação residencial por temporada (mesmo que por curtíssima temporada), mas sim de um contrato atípico de hospedagem, mesmo não sendo o proprietário ou possuidor do imóvel empresa do ramo de hospedagem.

            Infelizmente, na data em que está sendo escrito este artigo (24/04/2021), os votos vencido e vencedor ainda não foram publicados, tendo sido as informações retiradas de publicação de notícias do site do tribunal, que apresentou alguns pontos do julgado. Porém, como toda notícia, pode trazer imprecisões técnicas, que só serão observáveis com a publicação do Acórdão vencedor.

            Se a notícia publicada no site do STJ estiver precisa, basta o condomínio informar na sua convenção que a finalidade do condomínio é residencial para se estar proibida a celebração de contratos através das plataformas digitais de hospedagem. Melhor (nessa linha de pensamento da Quarta Turma) teria sido estipular que, além da previsão da destinação residencial das unidades, que na própria convenção estivesse expressa a proibição de uso das unidades autônomas para hospedagem através de pactos firmados através de plataformas digitais. Isso geraria mais segurança jurídica para todos.

            Do exposto, o que se pode concluir?

  • Em relação à natureza jurídica do contrato firmado através de plataforma digital, a Quarta Turma, por maioria, entendeu que se trata de um contrato atípico de hospedagem, e não de um contrato de locação residencial por temporada regido pela Lei nº 8.245/1991 (Lei de Locações).
  • O julgamento foi proferido em REsp, sem a afetação de repetitivo. Isso significa que o entendimento é aplicável de imediato ao caso dos autos, não se estendendo aos demais casos, apesar de ser um precedente importante que pode apontar o caminho a ser adotado pelo STJ em casos similares daqui para a frente.
  • Infelizmente, ao não considerar a natureza jurídica do contrato como sendo de locação residencial por temporada, a Quarta Turma impôs, ao proprietário do imóvel do REsp, mais uma limitação ao direito de propriedade, o que não é salutar, pois pode desestimular a aquisição de novas unidades residenciais, pois pessoas investiram seus recursos em imóveis dessa natureza pensando em gerar rendimentos com estes através de locações realizadas através de sites similares ao Airbnb. A história econômica tem demonstrado que quanto maior a intervenção do Estado na economia, seja por qual função for (Poder Judiciário, Poder Executivo ou Poder Legislativo), menos incentivos as pessoas têm para investir e isso resulta em menos geração de riquezas, o que impacta negativamente para toda a sociedade.
  • De acordo com a Quarta Turma do STJ (lembro, por ora, de acordo com a notícia publicada no sítio do STJ), se na convenção condominial estiver prevista a destinação residencial, é possível a proibição dos proprietários ou possuidores de alugarem as unidades através de plataformas digitais.

            Se você concordar ou não com a decisão tomada pela Quarta Turma do STJ, ou com a explanação feita acima, deixe o seu comentário. É sempre bom saber o pensamento dos leitores sobre temas que refletem direta ou indiretamente em suas vidas.

Artigo publicado no blog Guedes & Braga.

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Luiz Guedes da Luz Neto

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Aprovado no concurso de professor substituto do DCJ Santa Rita da UFPB (2018). Aprovado no Doutorado na Universidade do Minho/Portugal, na área de especialização: Ciências Jurídicas Públicas. Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas : direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores. Professor substituto das disciplinas Direito Administrativo I e II e Direito Agrário até outubro de 2018. Recebeu prêmio de Iniciação à Docência 2018 pela orientação no trabalho de seus monitores, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação/UFPB. Doutorando em direito na UFPB.

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